“COMPOSTOS N-ACIL-HIDRAZÔNICOS, USO NO TRATAMENTO DE AGREGOPATIAS DEGENERATIVAS AMILOIDES E NÃO-AMILOIDES, E COMPOSIÇÃO FARMACÊUTICA”
Campo da Invenção
[0001] A presente invenção refere-se a uma série de novas N-acil-hidrazonas estruturalmente derivadas do 1 -metil-1 H-imidazol-2-carboxaldeído e uso das mesmas. Particularmente, a invenção se refere aos compostos em si, seus usos e composições farmacêuticas contendo os mesmos, para o tratamento de doenças degenerativas.
[0002] Neste sentido, o objeto da presente invenção está relacionado ao tratamento de agregopatias degenerativas amiloides, tais como as doenças de Alzheimer, Parkinson e diabetes do tipo 2, e não-amiloides, tais como a catarata.
Descrição do Estado da Técnica
[0003]Atualmente, os tratamentos disponíveis para as doenças de Alzheimer e Parkinson apenas retardam a sua progressão, não sendo capazes de reverter os danos já sofridos ou de curar o paciente. A diabetes mellitus do tipo 2 também é uma doença crónica e incurável, cuja taxa de mortalidade segue crescendo no Brasil. Já a catarata, por sua vez, é corrigida através de procedimento cirúrgico. Apesar dos grandes avanços tecnológicos no âmbito da microcirurgia, há sempre um grande risco associado, além de se tratar de procedimentos de custo elevado.
[0004] De modo a solucionar essa questão, diversas propostas têm sido sugeridas e constituem o atual estado da técnica, sem que as mesmas se coadunem em uma solução de tratamento. Neste sentido, as atuais pesquisas têm sugerido que o dobramento parcial ou defeituoso e a agregação de determinadas proteínas estão fortemente associados ao desenvolvimento de agregopatias degenerativas, tais como as doenças de Alzheimer, Parkinson, o diabetes do tipo 2, e a catarata.
[0005] Explique-se que, a partir de conformações não nativas, muitas cópias de proteínas se unem formando fibras, fazendo com que essas proteínas percam a sua função fisiológica e exerçam papéis patológicos no organismo humano. [0006] Neste contexto, vale destacar as fibras amiloides, que são depósitos proteicos em conformação folha-β antiparalela que, quando juntas, podem formar fibras maduras, não ramificadas e rígidas, que normalmente não podem ser quebradas através da proteólise, e apresentam importantes sinapto- e citotoxicidade.
[0007]Assim, a formação de fibras amiloides está associada a doenças degenerativas, sendo que o estado da técnica descreve pelo menos 27 proteínas e polipeptídeos precursores de amiloides, associados a doenças conhecidas como amiloidoses, sendo sua grande maioria doenças neurodegenerativas. Em diversas amiloidoses sistémicas, o produto final do processo de agregação são depósitos amiloides insolúveis que afetam o funcionamento de diversos órgãos. [0008] Apesar destas proteínas e polipeptídeos diferirem em sequência, tamanho e conformações nativas, certas características do processo de agregação são bastante semelhantes. Este fato possibilita a proposição de uma abordagem única para impedir a agregação e o dobramento defeituoso das mencionadas proteínas.
[0009] Explique-se que a maioria das proteínas iniciam perturbações na conformação nativa através da produção de intermediários parcial ou defeituosamente dobrados, os quais apresentam grande propensão à agregação. Tais intermediários promovem a associação dos monômeros em oligômeros solúveis na chamada fase de nucleação, através de interações intermoleculares.
[0010]0s oligômeros solúveis, por sua vez, são, geralmente, ricos em folhas-β e rapidamente se convertem em estruturas de alto peso molecular, as protofibrilas, durante o estágio de crescimento exponencial. Em seguida, as protofibrilas se tornam estruturas alongadas (fibrilas) na fase estacionária.
[0011] Portanto, a etapa de formação precoce de espécies oligoméricas solúveis é a etapa determinante no processo de formação de protofibrilas, visto que tais espécies são consideradas de maior toxicidade e atuam como promotores de agregação, a partir dos quais as fibrilas e protofibrilas crescem de maneira dependente de nucleação.
[0012] Neste contexto, o estado da técnica busca soluções para prevenir a formação de oligômeros, tratando e prevenindo doenças degenerativas, tais como as supracitadas.
[0013] Explique-se que o cérebro é um órgão que concentra íons metálicos, cujos níveis aumentam como consequência do envelhecimento fisiológico. Diversos estudos indicam que a desomeostase metálica pode ter um papel crucial em uma variedade de doenças degenerativas relacionadas à idade. Isto levou à proposição de que interações anormais entre metais e diversas proteínas específicas possa ser um dos elementos contribuintes para as etiologias destas desordens.
[0014] De maneira pormenorizada, o estado da técnica demonstra que os principais íons metálicos que atuam no processo de agregação do peptídeo b- amiloide (Aβ), associado à doença de Alzheimer, são cobre(ll) e zinco(ll), que aumentam a toxicidade dos agregados e a velocidade de agregação do peptídeo, atuando através das ligações com os anéis imidazólicos dos resíduos de histidina.
[0015] Ainda em relação ao mecanismo de atuação do cobre e do zinco, frise-se que, ambos competem pelos mesmos resíduos de aminoácidos do Aβ. No entanto, o papel do cobre é mais relevante quanto ao aumento da velocidade de agregação, enquanto que o zinco induz principalmente mudanças conformacionais no peptídeo.
[0016]0utro ponto a ser destacado trata do fato de que o cobre apresenta atividade redox e, juntamente com o ferro, aumenta o estresse oxidativo no cérebro através da produção de espécies reativas de oxigénio (EROs), como o radical hidroxila e peróxido de hidrogénio, e espécies reativas de nitrogénio
(ERNs), como óxido nítrico, através de reações de Fenton e Haber-Weiss. Estas espécies atacam biomoléculas, causando danos aos ácidos nucleicos, membranas, proteínas e lipídeos.
[0017] No que tange à doença de Parkinson, o mecanismo de agregação proteica está relacionado à proteína α-sinucleína (α-Syn), apontada como principal componente das inclusões conhecidas como corpos de Lewy. Explique-se que depósitos de ferro foram encontrados nestas inclusões, assim como um aumento nas concentrações de cobre no líquido cefalorraquidiano de pacientes com esta doença. Além disso, uma análise da substantia nigra parkinsoniana também revelou quantidades elevadas de zinco, mas recentemente demonstrou-se que a interação deste metal com α-Syn é muito fraca, ao contrário do cobre, que leva à agregação eficiente de α-Syn e à sua fibrilação seletiva.
[0018] No contexto de agregação proteica associada à doença de Parkinson, explique-se que os depósitos proteicos são intracelulares e, dentro das células, o cobre está presente predominantemente em sua forma reduzida, cobre(l), que se liga à α-Syn através de três sítios independentes: Met-1/Met-5, His-50 e Met- 116/Met-127.
[0019] Por outro lado, a diabetes do tipo 2, um distúrbio metabólico relacionado à resistência à insulina, também é caracterizada como uma doença de cunho amiloide, uma vez que se observa a desnaturação e agregação da amilina, ou polipeptídeo ilhota amiloide (do inglês, Islet Amyloid Polypeptide, IAPP). A agregação desta proteína em fibras amiloides a torna tóxica para as células-β do pâncreas.
[0020] Neste contexto, o papel de metais fisiológicos, tais como ferro, cobre e zinco, na agregação da amilina também tem sido estudado extensivamente. O equilíbrio entre este polipetídeo e zinco (II) é importante para a regulação glicêmica, uma vez que este íon metálico é armazenado junto com a amilina nos grânulos das células-β. Atualmente, sabe-se que a agregação amiloide e progressão da doença ocorrem quando há um desequilíbrio entre estas duas
espécies. Além do zinco (II), a interação de amilina com cobre (II) é capaz de induzir a formação de oligômeros e protofibrilas.
[0021] No que tange à catarata, o estado da técnica dita que os níveis de cobre e zinco se encontram elevados na região afetada (cristalino do olho). Tanto cobre (II) quanto zinco (II) induzem rapidamente a agregação não-amiloide da proteína γD-cristalina, a mais abundante na lente, formando agregados de alto peso molecular. Esta agregação é responsável pela opacidade do cristalino, principal característica da catarata.
[0022] Uma vez que todas estas doenças apresentam mecanismos similares tangentes à agregação proteica, nos quais íons metálicos estão implicados, o uso de uma única terapia foi proposto, baseada no mecanismo de ação de sequestro específico e seletivo de íons metálicos ligados aos peptídeos e proteínas de interesse. Tal estratégia não deve exibir os efeitos deletérios de uma terapia de quelação indiscriminada, uma vez que estes íons metálicos não devem ser eliminados do organismo, e sim redistribuídos nos cérebros dos pacientes, restaurando a homeostase metálica do organismo.
[0023]Atualmente, o tratamento da doença de Alzheimer, quando leve a moderada, baseia-se principalmente na tentativa de reversão dos danos no sistema colinérgico através da utilização de drogas inibidoras da acetilcolinesterase, a enzima responsável pela degradação da acetilcolina, neurotransmissor cuja presença em baixa quantidade nos pacientes resulta em déficit cognitivo. Neste âmbito, as principais drogas utilizadas são a donepezila, rivastigmina e galantamina. Quando em estágio moderado a severo, pacientes com doença de Alzheimer são tratados com um antagonista dos receptores de N-metil-D-aspartato (NMDA): a memantina, que regula a atividade de degeneração celular do glutamato, liberado em grandes quantidades na condição da doença. Além disto, uma abordagem farmacológica combinada pode ser utilizada. Apesar de ser o tratamento escolhido nos centros de excelência, os mencionados fármacos apenas retardam a progressão da
doença, não sendo capazes de reverter os danos já presentes, tratando-se apenas de tratamentos paliativos.
[0024] No que tange à doença de Parkinson, o principal tratamento ministrado é a reposição da dopamina que se encontra em baixas concentrações devido à morte dos neurônios dopaminérgicos, através da utilização da levodopa. Este é um pró-fármaco que sofre descarboxilação para se transformar na dopamina uma vez que atinge o cérebro. Apesar de melhorar a qualidade de vida dos pacientes através da inibição dos sintomas motores, este método não representa um tratamento eficaz para a doença de Parkinson, além de ter o seu efeito diminuído com o tempo.
[0025] Por sua parte, a diabetes do tipo 2 também é uma doença crónica e incurável, que conta com tratamentos voltados para a diminuição da produção de glicose pelo fígado, aumento da sensibilidade das células à insulina e redução da absorção de glicose pelo intestino. Não são tratamentos que visam à cura, e a taxa de mortalidade por esta doença ainda segue crescendo no Brasil. [0026]Conforme referido acima, com relação ao principal tratamento para a catarata, explique-se que este se dá através de um procedimento cirúrgico para a remoção do cristalino em substituição por uma nova lente. Apesar dos grandes avanços tecnológicos no âmbito da microcirurgia, há sempre um grande risco associado, além de se tratar de procedimentos relativamente dispendiosos para o paciente / sistema público de saúde.
[0027] Desta maneira, busca-se incessantemente entender melhor tais patologias e desenvolver novos candidatos a fármacos que possam vir a compor e reforçar o arsenal químico de tratamento e/ou prevenção destas doenças. Uma nova classe de agentes terapêuticos com potencial para retardar, ou até mesmo prevenir, a progressão das mencionadas doenças degenerativas são os chamados Compostos Atenuadores da Interação Metal-Proteína (MPACs, do inglês Metal-Protein Attenuating Compounds ), ligantes polidentados com afinidade moderada por certos íons metálicos fisiológicos. Os MPACs atuam na redução da oligomerização patológica de proteínas e peptídeos, além de
reduzirem o estresse oxidativo, inibindo a produção de espécies reativas de oxigénio mediada por íons metálicos ligados a estas proteínas.
[0028] No estado da técnica referente a MPACs em fase de testes clínicos para doenças neurodegenerativas, tiveram inicialmente destaque o clioquinol e seus derivados 8-hidroxiquinolínicos. Este quelante lipofílico é capaz de reduzir a formação de placas amiloides através de um mecanismo de remoção de biometais. Apesar de efetivo, o mencionado composto apresentou, em fases de testes clínicos, efeitos colaterais graves, o que acabou inviabilizando o uso desse quelante no tratamento de doenças neurodegenerativas. Outro composto derivado da 8-hidroxiquinolina é o ligante PBT2, capaz de reduzir a agregação do peptídeo Aβ, limitando a toxicidade dos oligômeros e redistribuindo metais fisiológicos no cérebro de ratos modelos da doença de Alzheimer. Quando comparado com o clioquinol, PBT2 apresenta melhor penetração da barreira hematoencefálica e foi tolerado por humanos em doses orais diárias de 50 a 250 mg em um estudo que durou 12 semanas. Porém, apesar dos resultados iniciais encorajadores, os testes clínicos foram recentemente descontinuados após o composto não apresentar eficácia em pacientes portadores da doença de Alzheimer.
[0029] De maneira contínua, o estado da técnica ainda apresenta o ligante PBT434, avaliado para a doença de Parkinson, que compõe uma nova geração de moléculas pertencentes ao grupo químico das quinazolinonas.
[0030]Todos estes compostos possuem como farmacóforo porções derivadas da 8-hidroxiquinolina, característica esta que pode estar no cerne da falta de eficácia clínica observada para esses potenciais fármacos até o momento. [0031]Deste escopo, destaca-se que nosso grupo de pesquisa demonstrou, há alguns anos, a capacidade de uma N-acil-hidrazona derivada do grupo 8- hidroxiquinolina, a 8-hidroxiquinolina-2-carboxaldeído isonicotinoíl hidrazona (INHHQ), em competir, in vitro, pelas interações com cobre(ll) e zinco(ll) frente ao peptídeo Aβ, e pelas interações com cobre(ll) e cobre(l) frente à α-Syn.
[0032] Ademais, análises farmacológicas in silico demonstraram que o composto é neutro em pH fisiológico e capaz de atravessar a barreira hematoencefálica, o que foi provado experimentalmente através de detecção, por HPLC, do composto no cérebro de ratos injetados intraperitonealmente com INHHQ. [0033] Ensaios de toxicidade aguda foram realizados em ratos sadios, assim como o estudo de um biomarcador de estresse oxidativo (GSH) e da concentração de biometais em animais expostos a esta hidrazona. Os resultados mostraram que INHHQ é atóxico e não age como um agente quelante inespecífico em ratos com níveis basais de metais.
[0034] Nas avaliações de ansiedade e memória em camundongos, realizadas através de testes de Elevated Plus Maze, Open Field and Novel Object Recognition, determinou-se que INHHQ não altera as respostas defensivas relacionadas a medo e ansiedade nos animais sadios. Nos mesmos testes, se constatou que o mencionado composto é capaz de prevenir os danos na memória a curto e longo prazo induzidos pela infusão intracerebroventricular de oligômeros de Aβ nestas cobaias.
[0035] Desta forma, o INHHQ representa um promissor MPAC, se tornando uma potencial opção de tratamento para as doenças de Alzheimer e de Parkinson, o que pode ser extrapolado para outras agregopatias mediadas por cobre e zinco. [0036]Ainda no contexto relacionado aos mecanismos de funcionamento, frise- se que, apesar da presença do grupo 8-hidroxiquinolina na fórmula estrutural do INHHQ, evidências sugerem que a coordenação de cobre e zinco ocorre através do sistema N-acil-hidrazônico, uma inovação que abre novas perspectivas no desenvolvimento de promissores Compostos Atenuadores da Interação Metal- Proteína.
[0037]Assim, a presente invenção trata de novas N-acil-hidrazonas, estruturalmente derivadas do composto 1 -metil-1 H-imidazol-2-carboxaldeído, com potencial para atuar sobre as interações metal-proteína (atividade MPAC) e, possivelmente ainda, proteína-proteína relevantes para a patogênese de agregopatias degenerativas, tanto amiloides quanto não-amiloides.
[0038] No mais, estes análogos aprimorados do protótipo INHHQ foram projetados através de mudanças racionalmente planejadas em sua estrutura, efetuadas com o intuito de se melhorar as suas propriedades físico-químicas e farmacológicas, assim resultando em uma maior hidrofilicidade e resistência à hidrólise.
[0039]0 fato dos compostos propostos apresentarem o anel 1 -metilimidazol confere a eles certas vantagens sobre outras hidrazonas previamente descritas, como, por exemplo: aumento da solubilidade em água e da resistência à hidrólise dos compostos; ausência de tautomerismo, o que pode levar a um aumento de rendimento em seus preparos, quando comparado aos de derivados imidazólicos não-metilados; maior biocompatibilidade em relação a outros anéis heteroaromáticos, tais como, por exemplo, a piridina; pela mudança no ângulos de mordida na formação de anéis quelatos, tem-se ainda uma melhor modulação da afinidade pelos biometais envolvidos nos processos de agregação proteica, o que leva a efeitos mais sutis no organismo.
[0040] Em relação ao proposto, visando demonstrar as vantagens técnicas do presente pedido, faz-se necessário analisar alguns documentos patentários já existentes, no sentido de estabelecer as vantagens associadas à presente invenção.
[0041]O documento EP1791818 (W02006029850) trata de derivados hidrazônicos e seu uso como inibidores de beta secretase, porém não abrange os derivados do 1 -metil-1 H-imidazol-2-carboxaldeído. Além disto, esse documento propõe tais compostos para atuarem como inibidores de β-secretase, uma classe de enzimas envolvida na primeira etapa de produção do peptídeo Aβ no cérebro. Apesar de visarem o mesmo objetivo a longo prazo, quer seja, a redução do acúmulo deste peptídeo central para a doença de Alzheimer, o documento propõe um mecanismo de ação diferente, envolvendo outros alvos biológicos. Outro ponto a ser destacado é que os novos compostos propostos na presente invenção não serão limitados a um possível tratamento da doença de Alzheimer, podendo ser aplicados em uma maior gama de doenças
degenerativas relacionadas com a agregação proteica, amiloide ou não, mediada por íons metálicos.
[0042]0 documento WO2015109935, que trata do preparo e uso de compostos com efeito protetor neural, por sua vez, apesar de mencionar substituintes imidazolil, não compreende especificamente a classe das N-acil-hidrazonas. Os compostos descritos na patente citada apresentam diversas atividades, como a de inibição da monoamina oxidase, inibição da colinesterase, sequestro de radicais livres e proteção nervosa. Entretanto, não é mencionada a capacidade dessas substâncias de se ligarem a íons metálicos e de competir por estas ligações com as proteínas envolvidas nas patologias mencionadas, como doenças de Alzheimer e de Parkinson.
[0043]0 documento US6610693, por sua vez, trata de antagonistas e inibidores da frutosamina oxidase, e se refere a esta enzima como alvo biológico a ser inibido para o tratamento da diabetes do tipo 2. Como compostos com tal atividade, apresenta-se agentes quelantes de cobre e hidrazidas. A classe química das hidrazidas é diferente daquela das hidrazonas, sendo geralmente as primeiras precursoras na síntese das segundas. Hidrazidas são compostos que apresentam o grupamento funcional -NHNH2, enquanto as hidrazonas são produzidas através da reação entre hidrazidas e compostos carbonílicos, dando origem a uma ligação do tipo base de Schiff, sendo caracterizadas pela presença do grupamento químico -HC=N-NH-, e, no caso específico das N-acil- hidrazonas, do grupamento químico -HC=N-NH-CO-.
[0044] Documento importante é 0 W02004087641 , que trata de derivados hidrazônicos, propondo a utilização destes para 0 tratamento e/ou prevenção de amiloidoses como as doenças de Alzheimer, Parkinson e a diabetes do tipo 2. Contudo, apesar da aparente semelhança com a matéria descrita na presente invenção, o referido documento explora um mecanismo de ação distinto, não fazendo menção alguma ao grande potencial quelante destes compostos como método para evitar a agregação proteica.
[0045] Do exposto, conclui-se que a presente invenção trata, de fato, de uma nova tecnologia no campo da bioinorgânica medicinal, no sentido de:
• Envolver compostos estruturalmente inéditos, o que está relacionado à utilização do grupo 2-(1-metilimidazol)- como substituinte aromático na porção azometínica das N-acil-hidrazonas propostas;
• Sugerir a prevenção e/ou diminuição da oligomerização proteica, tanto amiloide quanto não-amiloide, através da competição com o peptídeo- ou proteína-alvo pela ligação a íons metálicos fisiológicos e, possivelmente, pela modulação da própria interação proteína-proteína, afetando a oligomerização desta;
• Abranger uma gama mais abrangente de potenciais aplicações farmacêuticas ao incluir como alvo doenças que estão relacionadas à agregação proteica amiloide (Alzheimer, Parkinson, diabetes do tipo 2, etc.) e não-amiloide (catarata, por exemplo), mediada por metais fisiológicos.
Descrição Resumida da Invenção
[0046]A presente invenção refere-se a novos compostos estruturalmente derivados do 1-metil-1H-imidazol-2-carboxaldeido produzidos com o intuito de atuarem como MPACs, prevenindo e/ou diminuindo a oligomerização proteica, tanto amiloide quanto não-amiloide, através da competição com o peptídeo- ou proteína-alvo pela ligação a íons metálicos fisiológicos e, possivelmente, pela modulação da própria interação proteína-proteína. Particularmente, tais compostos poderão ser utilizados, dentre outros, no campo de tratamento e prevenção das doenças de Alzheimer, Parkinson, diabetes tipo 2 e catarata. Contudo, seu uso não se encontra necessariamente restrito a esta área. [0047]A fração carbonilidrazônica (-HC=N-NH-CO-) foi escolhida como farmacóforo devido ao seu potencial de coordenação a cobre e zinco, que já se provou efetiva na competição com o peptídeo Aβ e a proteína α-Syn.
[0048] Frise-se que hidrazonas carboniladas têm sido descritas coordenando metais através do nitrogénio da azometina e do oxigénio da carbonila. São
compostos mais estáveis em relação à hidrólise quando comparadas às iminas, uma vez que a dupla ligação da azometina C=N está conjugada com o par de elétrons do nitrogénio vizinho que, através de ressonância, aumenta a densidade de carga negativa no átomo de carbono, reduzindo consideravelmente a sua eletrofilicidade.
[0049]0utro ponto a ser destacado trata do fato de que a porção hidrazônica é fixa, sendo que os compostos da presente invenção contêm o anel 1 - metilimidazol. Tal grupo químico aumenta substancialmente a solubilidade das hidrazonas, além de torná-las mais biocompatíveis. A metilação em um dos átomos de nitrogénio imidazólicos tem como principal objetivo a simplificação dos procedimentos sintéticos, uma vez que o tautomerismo presente no anel imidazólico pode dificultar o isolamento dos produtos e comprometer sua pureza. Uma outra vantagem da presença deste anel está relacionada à protonação preferencial do grupo 1 -metilimidazol em relação àquela do nitrogénio azometínico, o que evita a ativação do carbono azometínico e protege a integridade estrutural desta família de N-acil-hidrazonas frente à reação de hidrólise.
Breve Descrição das Figuras
[0050]A presente invenção será descrita com mais detalhes a seguir, com referência às figuras em anexo que, de uma forma esquemática e não limitativa do escopo inventivo, representam exemplos de realização da mesma. Nos desenhos, têm-se:
- A Figura 1 trata da representação ORTEP (Oak Ridge Thermal Ellipsoid Plot) dos compostos de fórmulas a) (IV), b) (V), c) (VI), e d) (VII). Os elipsoides foram desenhados com nível de probabilidade de 50%.
- A Figura 2 apresenta as interações de ligações de hidrogénio nos compostos de fórmulas a) (IV), b) (V), c) (VI), e d) (VII).
- A Figura 3 apresenta interações de empilhamento π-π nos compostos de fórmulas a) (V), b) (VI), e c) (VII).
- A Figura 4 apresenta o espectro de RMN de 1H (400 MHz) do composto de fórmula (IV) em DMSO-d6, à temperatura ambiente;
- A Figura 5 apresenta os espectros RMN de 1H (400 MHz) do composto de fórmula (V) em DMSO-d6, à temperatura ambiente;
- A Figura 6 apresenta os espectros RMN de 1H (400 MHz) do composto de fórmula (VI) em DMSO-d6, à temperatura ambiente;
- A Figura 7 apresenta os espectros de RMN de 1H (400 MHz) do composto de fórmula (VII) em DMSO-d6, à temperatura ambiente;
- A Figura 8 apresenta os espectros de absorção do INHHQ em solução contendo 1% DMSO/água (5 x 10-5 mol L-1) a 17 ºC, ao longo de 4 dias;
- A Figura 9 apresenta espectros de absorção dos compostos de fórmulas a) (IV) e b) (VII) em solução contendo 1% DMSO/água (5 x 10-5mol L-1) a 17 ºC, por 4 dias;
- A Figura 10a apresenta espectros de varredura no ultravioleta/visível das misturas de diferentes frações molares do composto de fórmula (IV) e cobre (II);
- A Figura 10b apresenta um gráfico de Job a 374 nm;
- A Figura 11 apresenta a citotoxicidade das N-acil-hidrazonas de fórmulas (IV), (V), (VI) e (VII) em células H4 de neuroglioma humano;
- A Figura 12a mostra o efeito do composto de fórmula (IV) no modelo celular de agregação SynT-Sph1 em células H4 através de quantificação das inclusões nas células transfectadas a partir de imagens obtidas por microscopia de fluorescência;
- A Figura 12b mostra o efeito do composto de fórmula (IV) no modelo celular de agregação SynT-Sph1 em células H4 através de imagens representativas das inclusões observadas por microscopia de fluorescência.
Descrição Detalhada da Invenção
[0051] A não ser que sejam definidos de outra maneira, os termos técnicos e científicos usados com relação à presente invenção devem ter os significados que são comumente entendidos por aqueles versados na técnica. O significado e o escopo dos termos devem certamente ser inteligíveis; entretanto, no caso de
qualquer ambiguidade latente, as definições aqui providas têm precedência sobre qualquer definição extrínseca ou proveniente de dicionários.
[0052] Neste contexto, a presente invenção refere-se a uma série de compostos pertencentes à classe das N-acil-hidrazonas e estruturalmente derivadas do 1 - metil-1 H-imidazol-2-carboxaldeído, ou ainda sais farmaceuticamente aceitáveis dos mesmos, de fórmula geral (I), conforme referenciado abaixo:
em que o radical Ar é um anel heteroaromático de 5 ou 6 membros. Assim, a estrutura representada pela fórmula (I) pode ser desdobrada nas fórmulas (II) e (III):
A representa os radicais CR4 ou N;
D representa os radicais CR4 ou N;
E representa os radicais CR4 ou N;
X representa os radicais O, S ou NH; Z representa os radicais CR4 ou N;
R1 representa os radicais hidrogénio (-H), halo (-F, -Cl, -Br, -I), alquil (- CH3, -CH2CH3, etc.), alcoxi (-OCH3, -OCH2CH3, etc.), éster [-C(=O)-OCH3, etc.], acila [-C(=O)-CH3, etc.], fenoxi (-OPh), ciano (-CN), nitro (-NO2), hidroxi (-OH) ou tioalcoxi (-SCH3, -SCH2CH3, etc.);
R2 representa os radicais hidrogénio (-H), halo (-F, -Cl, -Br, -I), alquil (- CH3, -CH2CH3, etc.), alcoxi (-OCH3, -OCH2CH3, etc.), éster [-C(=O)-OCH3, etc.], acila [-C(=O)-CH3, etc.], fenoxi (-OPh), ciano (-CN), nitro (-NO2), hidroxi (-OH) ou tioalcoxi (-SCH3, -SCH2CH3, etc.);
R3 representa os radicais hidrogénio (-H), halo (-F, -Cl, -Br, -I), alquil (- CH3, -CH2CH3, etc.), alcoxi (-OCH3, -OCH2CH3, etc.), éster [-C(=O)-OCH3, etc.], acila [-C(=O)-CH3, etc.], fenoxi (-OPh), ciano (-CN), nitro (-NO2), hidroxi (-OH) ou tioalcoxi (-SCH3, -SCH2CH3, etc.); e R4 representa os radicais hidrogénio (-H), halo (-F, -Cl, -Br, -I), alquil (- CH3, -CH2CH3, etc.), alcoxi (-OCH3, -OCH2CH3, etc.), éster [-C(=O)-OCH3, etc.], acila [-C(=O)-CH3, etc.], fenoxi (-OPh), ciano (-CN), nitro (-NO2), hidroxi (-OH) ou tioalcoxi (-SCH3, -SCH2CH3, etc.).
[0053] É preciso destacar que os compostos descritos acima pela fórmula (II) podem apresentar, nas posições representadas pelas letras A, D e E, um átomo de carbono ligado a qualquer um dos grupos definidos por R4 e/ou 0 heteroátomo nitrogénio. Nota-se que 0 número máximo de nitrogénios no anel de 6 membros é dois.
[0054] Destaca-se ainda que, para os compostos descritos anteriormente pela fórmula (III), a posição representada pela letra X pode ser ocupada por um átomo de oxigénio, de enxofre ou pelo grupo NH, e a posição representada pela letra Z, por um átomo de carbono ligado a qualquer grupo definido por R4 ou pelo heteroátomo nitrogénio.
[0055] Em uma segunda modalidade, a presente invenção compreende os compostos de fórmulas (IV), (V), (VI) e (VII):
[0056] Neste aspecto, é preciso destacar que os compostos (IV) e (V) são derivados da fórmula (II), pelas substituições A = D = CR4, E = N e R1 = R2 = R4 = H (1 -metil-1 H-imidazol-2-carboxaldeído isonicotinoíl hidrazona) e A = D = E = CR4 e R1 = R2 = R4 = H (1 -metil-1 H-imidazol-2-carboxaldeído benzoíl hidrazona), respectivamente.
[0057] Ressalta-se ainda que os compostos (VI) e (VII) são derivados da fórmula (III), através das substituições X= O, Z= CR4 e R3 = R4 = H (1 -metil-1 H-imidazol- 2-carboxaldeído 2-furoíl hidrazona) e X = S, Z = CR4 e R3 = R4 = H (1 -metil-1 H- imidazol-2-carboxaldeído 2-tiofeníl hidrazona), respectivamente.
[0058]Ainda no que tange aos exemplos acima, destaca-se que a totalidade das formas substituídas das fórmulas (II) e (III), a saber, os compostos (IV), (V), (VI)
e (VII) são N-acil-hidrazonas estruturalmente derivadas do 1 -metil-1 H-imidazol- 2-carboxaldeido.
[0059]A efeito de detalhamento dos exemplos supracitados, seguem alguns dados experimentais referentes às N-acil-hidrazonas (IV), (V), (VI) e (VII).
[0060] Síntese: Uma maneira de sintetizar as N-acil-hidrazonas é através de reações de condensação, as quais constituem uma classe geral já bem descrita na literatura, entre o 1 -metil-1 H-imidazol-2-carboxaldeído e diferentes hidrazidas. O aldeído é pesado em um balão de reação de fundo redondo e solubilizado em etanol. A hidrazida é pesada de forma a se obter uma proporção molar 1 :1 , e solubilizada no mesmo solvente dentro de um béquer. A hidrazida é então lentamente gotejada sobre o aldeído sob agitação e aquecimento brando. Gotas de HCI são adicionadas para catalisar a reação, e refluxo é aplicado por algumas horas. O sistema é resfriado e mantido à temperatura ambiente para a lenta evaporação do solvente e formação de precipitado. Este, por sua vez, é filtrado, lavado com solvente frio, e seco à temperatura ambiente. Monocristais podem ser isolados da água-mãe, permitindo a análise estrutural por difração de raios-X.
[0061] Pontos de fusão: Os pontos de fusão dos compostos de fórmulas (IV), (V), (VI) e (VII) foram determinados em triplicata e utilizados como critério de pureza.
[0062]0s valores determinados foram:
(IV): 223 ± 3 ºC
(V): 128 ± 1 ºC
(VI): 153 ± 2 ºC
(VII): 215 ± 2 ºC
[0063] Cristalografia de raios-X: A Tabela 1 , apresenta alguns dados dos cristais utilizados e outros relacionados com a coleta e o refinamento das estruturas. Distâncias e ângulos de ligação selecionados podem ser observados na Tabela 2. A Tabela 3 resume parâmetros geométricos das interações de ligações de H observadas nos cristais. Por outro lado, as interações de empilhamento π-π são resumidas na Tabela 4.
Tabela 1 - Dados cristalográficos para os compostos de fórmulas (IV), (V), (VI) e (VII).
Tabela 2 - Parâmetros geométricos selecionados para os compostos de fórmulas (IV), (V), (VI) e (VII).
Tabela 3 - Parâmetros geométricos de ligação de hidrogénio para os compostos de fórmulas (IV), (V), (VI) e (VII).
Tabela 4 - Parâmetros geométricos de interações de empilhamento π-π nos compostos de fórmulas (V), (VI) e (VII).
[0064]Análise elementar: A análise elementar de carbono, hidrogénio e nitrogénio encontra-se detalhada na Tabela 5, na qual são apresentados os valores calculados para cada fórmula e os valores experimentais obtidos.
Tabela 5 - Análise elementar das N-acil-hidrazonas descritas.
* Os valores teóricos foram calculados utilizando os estados de protonação, contra-íons e solventes de cristalização observados nas estruturas.
[0065] Ressonância Magnética Nuclear de
1H: A maioria das hidrazonas apresenta, em seus espectros de RMN, diferentes espécies em solução de DMSO -de. Em teoria, existem quatro configurações possíveis: uma combinação entre os tautômeros iminol e amido, e os isômeros geométricos (£) e (Z). Na prática, normalmente, os isômeros (Z) estão ausentes ou presentes em quantidades muito pequenas, devido à sua menor estabilidade conformacional. [0066] A Tabela 6, a seguir, resume as atribuições dos sinais majoritários presentes nos espectros das hidrazonas sintetizadas, feitas de acordo com as numerações presentes nas Figuras 4 a 7, que também apresentam seus espectros unidimensionais de
1H.
Tabela 6 - Atribuição dos sinais majoritários referentes aos espectros de RMN de
1H das N-acil-hidrazonas descritas.
[0067]Cálculo computacional de parâmetros farmacológicos: Análises farmacológicas in silico permitem determinar algumas características dos compostos que são relevantes no desenvolvimento de um novo fármaco. A Regra de Lipinski é utilizada como referência. Lipinski afirma que um bom candidato para 0 desenvolvimento de fármacos tem um limite de múltiplos de 5 como valores para alguns parâmetros: log P menor ou igual a 5, peso molecular (MW) menor ou igual a 500, aceptores de ligação de hidrogénio (HBA) menor ou igual a 10 e doadores de ligação de hidrogénio (HBD) menor ou igual a 5. O composto em questão pode apresentar apenas uma violação a um desses
parâmetros para ser considerado um promissor candidato a fármaco. Estas regras permitem, portanto, uma boa previsão teórica do perfil de biodisponibilidade oral e permeabilidade de novas moléculas.
[0068]0 primeiro parâmetro analisado é o peso molecular (MW), relacionado à facilidade com que um fármaco pode permear a membrana celular. Quanto menor o peso molecular, mais facilmente a molécula atravessa as membranas e pode até mesmo passar pelos poros celulares ou pelo espaço intracelular. O segundo e terceiro parâmetros analisados são log P e log S. O log P é o coeficiente de partição, que representa o balanço hidrofílico-lipofílico da molécula, enquanto o log S se refere à solubilidade do composto em solução aquosa.
[0069]Tais parâmetros combinados são de extrema importância no contexto da permeabilidade celular, uma vez que é necessário que o fármaco não apresente uma lipofilia muito alta, o que causaria sua retenção no espaço celular altamente lipofílico, nem uma hidrofilicidade muito alta, o que resultaria em grande dificuldade para a droga atravessar o meio lipídico das membranas.
[0070]0s parâmetros HBA e HBD (átomos aceptores de interação de hidrogénio e doadores de interação de hidrogénio, do inglês Hydrogen Bond Acceptors e Hydrogen Bond Donors, respectivamente) são importantes porque avaliam a quantidade de receptores ou doadores por hidrogénio da molécula, visando à interação com alvos biológicos como, por exemplo, proteínas amiloidogênicas. Uma vez que interações de hidrogénio apresentam papel fundamental na ligação entre proteínas e pequenas moléculas, é crucial para um fármaco apresentar um balanço ideal entre doadores e receptores destas interações quando se pensa em afinidade pelo alvo molecular.
[0071]PSA, por sua vez, é a área de superfície polar, que avalia o grau de polaridade da molécula, ou seja, quanto maior a concentração de cargas parciais em alguma região da molécula, maior o seu caráter hidrofílico, o que aumentaria a solubilidade, porém dificultaria a capacidade de penetração lipídica.
[0072]Outro parâmetro que pode ser levado em consideração em uma análise de uma possível droga é chamado de Druglikeness. Este é um valor determinado a partir da comparação de fragmentos dos compostos com um banco de dados de compostos comercialmente disponíveis e com um banco de dados de compostos não-medicamentosos. A molécula em questão é comparada com 3.300 drogas comerciais e 15.000 substâncias químicas.
[0073]Os cálculos foram realizados utilizando o programa Osiris Property Explorer. DataWarior™. As novas hidrazonas são consideravelmente mais solúveis (pelo menos dez vezes) do que o INHHQ. Os valores calculados in silico para suas solubilidades estão apresentados na Tabela 7, juntamente com os parâmetros farmacológicos acima descritos. Todas as novas hidrazonas apresentam coeficiente de partição (log P) dentro da faixa ideal para atravessarem barreiras biológicas, como a barreira hematoencefálica, característica esta crucial para o desenvolvimento de fármacos que atuem a nível cerebral. A maior solubilidade dos novos ligantes também pode ser constatada experimentalmente.
Tabela 7 - Descritores farmacológicos in silico das N-acil-hidrazonas descritas e comparação com o INHHQ.
[0074] Coeficiente de partição octanol-água (log P) experimental: Os valores experimentais de log P foram calculados apenas para algumas das hidrazonas
com o intuito de comprovar a precisão dos cálculos computacionais. O tampão Tris 10-2 mol L-1 pH 7,4 foi empregado como a fase aquosa. Ambas as fases foram preparadas separadamente com a hidrazona de interesse a baixas concentrações (5 x 10-5 mol L-1). Um espectro de varredura de absorção molecular no ultravioleta/visível foi adquirido para cada uma das fases antes de misturá-las. A mistura foi mantida em agitação a 37 ºC, protegida da luz. Ao final da incubação, a mistura foi centrifugada por 10 minutos a 3000 rpm, e as camadas foram separadas utilizando pipetas. As concentrações em cada fase foram medidas no comprimento de maior absorção de cada hidrazona no respectivo solvente, através de curvas de calibração. Cada composto foi analisado em triplicada e P foi calculado como a razão da concentração média Co/Ca onde Co é a concentração na fase orgânica e Ca na fase aquosa.
[0075] A Tabela 8 mostra os valores experimentais obtidos para as N-acil- hidrazonas de fórmulas (IV) e (V), e os valores calculados, retirados da Tabela 7, para efeitos de comparação. Os resultados experimentais foram obtidos utilizando tampão com pH fisiológico, assim como a mistura e separação foi realizada à temperatura média do corpo humano. Isto confere ao experimento maior relevância biológica em comparação com os cálculos computacionais. Ainda assim, os valores obtidos estão em concordância com os calculados.
Tabela 8 - Valores experimentais e calculados de log P para os compostos de fórmulas (IV) e (V).
[0076] Estabilidade em solução aquosa contendo 1% DMSO: Os compostos foram preparados em baixas concentrações (5 x 10-5 mol L-1) em uma solução contendo 1% DMSO em água ultra-pura. Os espectros de varredura foram obtidos entre 200 e 800 nm em um espectrofotômetro de absorção molecular em
intervalos regulares ao longo de 12 horas. Uma medida final foi realizada após quatro dias. A temperatura do ambiente foi mantida a 17 ºC durante todo o experimento.
[0077] Nestas condições, e de acordo com a Figura 8, o INHHQ apresenta um decréscimo de aproximadamente 12% na intensidade de sua banda hidrazônica em 292 nm ao longo de 4 dias (Figura 8).
[0078] Por outro lado, as novas hidrazonas derivadas do 1-metil-1H-imidazol-2- carboxaldeído são muito mais estáveis. O composto mais estável, descrito pela fórmula (IV), apresenta decréscimo de menos de 2% na intensidade do sinal de absorção da banda da hidrazona, sendo extremamente estável nestas condições. Espectros representativos de absorção das hidrazonas estão apresentados na Figura 9.
[0079] Constante de afinidade por cobre (II): A constante de afinidade do composto (IV) por cobre (II) foi determinada através do Método da Variação Contínua, que consiste no preparo de misturas de diferentes frações molares de ligante e metal, seguido da varredura de suas absorbâncias no UV-Vis. A partir destes dados é possível calcular a estequiometria do complexo formado e a constante de formação do mesmo. A Figura 10a mostra os espectros das diferentes proporções metal-ligante e os comprimentos de onda de máxima absorção do ligante puro (317 nm) e do complexo (374 nm).
[0080]A presença de um ponto isosbéstico indica que há apenas duas espécies absorventes em equilíbrio: o complexo, formado em misturas até fração molar 0,5, e o excesso de ligante que ocorre em misturas com maiores frações molares. Isto indica que o complexo do tipo ML (estequiometria 1 :1), é formado preferencialmente, o que pode ser comprovado pelo gráfico de Job na Figura 10b, que mostra o máximo de absorção em 374 nm ocorrendo na fração molar 0,5.
[0081] A partir destas informações é possível calcular a constante de formação do complexo que, para composto de fórmula (IV), apresenta o valor de 5,66 ± 0,08 a 25 ºC. Este valor é aproximadamente mil vezes menor que aquele
apresentado pelo composto clioquinol em condições semelhantes, o que indica que a interação com íons metálicos é mais moderada, conforme espera-se de um MPAC eficaz.
[0082] Estudos em células H4: Os quatro compostos exemplificados foram testados em uma linhagem celular de neuroglioma humano (células H4) quanto à sua toxicidade, através do método do MTT, que mede a atividade metabólica das células por uma reação redutiva e colorimétrica do reagente. A Figura 11 apresenta os resultados obtidos na forma de porcentagem de sobrevivência celular. Nenhuma das hidrazonas derivadas do 1-metil-1H-imidazol-2- carboxaldeído avaliadas apresenta toxicidade significativa para estas células em comparação com o veículo (meio de cultura contendo 1% DMSO), sendo todas elas menos tóxicas que o INHHQ.
[0083]A hidrazona derivada da isoniazida, de fórmula (IV), foi avaliada em maior detalhe em um modelo celular de agregação de α-sinucleína em células H4. Este modelo consiste da co-transfecção de um constructo de α-sinucleína contendo os primeiros 83 aminoácidos da proteína EGFP ligados à sua porção C-terminal (SynT) com a proteína synphilin-1 (Sph1 ), resultando em inclusões positivas para α-Syn que podem ser observadas por microscopia de fluorescência após imunocoloração. Este composto mostrou um efeito significativo nas quantidades de células sem inclusões e com mais de 10 inclusões (Figura 12a) e também nos tamanhos das inclusões observadas (Figura 12b). Foi constatado ainda que o mesmo composto, representado pela fórmula (IV), não altera os níveis de expressão da α-Syn, e que seu efeito está relacionado diretamente com a estrutura quaternária dos agregados, tendo impacto direto na morfologia dos mesmos, que são menos compactos após tratamento.
[0084] Em relação à sua aplicação, a presente invenção se refere, em um primeiro momento, ao uso da família de compostos acima definida pelas fórmulas (II) e (III) como atenuadores da interação metal-proteína, uma vez que são quelantes que apresentam afinidade moderada por certos íons metálicos fisiológicos. Tais compostos atuam na prevenção do dobramento defeituoso e
agregação proteica, prevenindo e tratando agregopatias degenerativas, tais como as doenças de Alzheimer, de Parkinson, diabetes do tipo 2 e catarata. [0085] O termo “tratamento” conforme aqui usado, a menos que indicado de maneira diferente, inclui o tratamento de doenças de Alzheimer, Parkinson, diabetes tipo 2 e catarata, o qual compreende a administração de uma quantidade terapeuticamente eficaz dos compostos definidos pelas fórmulas (II) ou (III).
[0086] Em mais um aspecto da presente invenção, frise-se que trata também das eventuais composições farmacêuticas contendo quantidade terapeuticamente eficaz de qualquer um dos compostos definidos pelas fórmulas (II) ou (III), das quais (IV), (V), (VI), (VII) constituem exemplos, e pelo menos um excipiente farmaceuticamante aceitável, em que a N-acil-hidrazona em questão seja o princípio ativo.
[0087] Destaca-se ainda que, sendo toda a família de compostos descritos pelas fórmulas (II) e (III) inédita, outros potenciais usos, não detalhados no presente pedido de patente, fazem parte também do escopo da presente invenção. Os técnicos versados no assunto apreciarão que inúmeras variações incidindo no escopo de proteção do pedido são permitidas e, dessa forma, reforça-se o fato de que a presente invenção não está limitada às configurações/concretizações particulares acima descritas.