BR102020023291A2 - Pré-tratamento de biomassas pelo método organosolv com glicerol e fecl3 para obtenção de açúcares redutores e lignina - Google Patents

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Luciane Pimenta Cruz Romão
Joselaine Carvalho Santana
Ana Karla De Souza Abud
Ana Claudia Matos Da Silva
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Abstract

A invenção refere-se a um processo de pré-tratamento que pode ser aplicado a diversas biomassas para a obtenção de açúcares redutores, matéria-prima necessária à produção do etanol celulósico, obtém-se também a lignina, insumo que possui vasta aplicação na indústria química. A técnica de pré-tratamento utilizada é a organosolv usando o solvente verde glicerol e o catalisador FeCl3. O processo foi aplicado as biomassas aguapé, bagaço de cana, palha de milho e casca de coco. Por meio da realização de planejamentos experimentais, que investigou o sinergismo entre as principais variáveis: tempo (10-120 min); razão sólido/líquido (1-6%); temperatura (100-220 °C); porcentagem de água (0-40%); concentração de FeCl3 (0,025-0,175 mol.L-1) e tamanho de partícula (<0,85 - >2,0 mm), chegou-se a uma condição ótima, comum a todas as biomassas avaliadas: 10 min de reação; temperatura a 220 °C; razão sólido/líquido a 6%; 0,025 mol.L-1 de FeCl3; tamanho de partícula < 0,85 mm; porcentagem de água a 0%. O processo desenvolvido é sustentável econômica e ambientalmente por usar o glicerol associado a pequena quantidade de catalisador, curto tempo de reação, alta razão sólido/líquido e sistema reacional simples, além disso após pré-tratamento a biomassa sem lavagem e úmida pode ser diretamente encaminhada a hidrólise, minimizando o consumo de água. Em adição, a lignina removida para o licor é recuperada sem necessitar da adição de ácido. O processo pode ser realizado tanto com o glicerol comercial quanto com o bruto, uma vez que o último, após tratamento simples, proporcionou a mesma eficácia do comercial. As biomassas pré-tratadas seguindo a condição ótima exibiram digestibilidade enzimática superior a 93% após 48 h, devido à alta remoção de hemicelulose, aproximadamente 90%, e deslignificação de 31-90%. A recuperação da celulose variou de 51-87%, e a formação de inibidores no hidrolisado foi baixa, podendo ser diretamente fermentados. Nos licores a fermentação poderá ser realizada após a separação do ácido acético.

Description

PRÉ-TRATAMENTO DE BIOMASSAS PELO MÉTODO ORGANOSOLV COM GLICEROL E FECL3 PARA OBTENÇÃO DE AÇÚCARES REDUTORES E LIGNINA
[001 ] A presente invenção consiste em um processo de pré-tratamento de biomassas com aplicação na área de biorrefinaria, ou seja, energia renovável, mais especificamente no setor de produção de bioetanol, tendo em vista que os açúcares redutores obtidos a partir de biomassa lignocelulósica podem ser fermentados para a produção do chamado etanol celulósico ou de segunda geração.
[002] A biomassa lignocelulósica, constituída predominantemente pelos polímeros lignina, celulose e hemicelulose, apresenta muitas características que a torna promissora como matéria-prima para a produção de bioetanol e outros produtos químicos de valor agregado. A grande disponibilidade, o baixo custo e o potencial energético são os principais fatores que estimulam os estudos com diversos tipos de biomassa. No entanto, os três componentes majoritários formam um material compósito complexo, chamado lignocelulose, que compõe a parede celular da biomassa conferindo-lhe grande resistência e baixa reatividade.
[003] A obtenção do etanol celulósico está gerando boas expectativas no sentido de suprir as necessidades energéticas associadas ao uso de combustíveis sustentáveis. Contudo, para a produção deste é necessário reduzir a recalcitrância da biomassa em uma etapa de pré-tratamento, prosseguindo-se com a hidrólise e a fermentação. O pré-tratamento é a etapa mais importante do processo, uma vez que seus efeitos influenciam diretamente o rendimento das outras etapas, o que torna esse o principal desafio na obtenção do etanol celulósico. Tal fato tem intensificado o desenvolvimento de pesquisas que se dedicam a buscar métodos de pré-tratamento mais eficientes, econômicos e com poucos danos ao ambiente.
[004] A importância do pré-tratamento reside no fato dele possibilitar a ruptura da complexa estrutura formada entre a lignina, celulose e hemicelulose, o que melhoraria a acessibilidade a esses componentes e permitiria uma completa exploração dos mesmos, aumentando a valorização da lignocelulose. Assim, o principal objetivo do pré-tratamento é alterar a estrutura da biomassa para que a hidrólise da celulose e da hemicelulose possa ser conseguida de forma rápida e com bons rendimentos, sendo que para isso a lignina deve ser removida.
[005] A etapa de pré-tratamento é considerada a mais desfavorável economicamente, porém, a realização da hidrólise sem o pré-tratamento é bem menos favorável. Sendo fundamental encontrar uma situação de equilíbrio para os efeitos causados pelo mesmo, pois um pré-tratamento ineficiente resultará em um material pouco hidrolisável, ao passo que um muito agressivo levará à produção de substâncias tóxicas que inibirão a ação dos micro-organismos nas demais etapas. Encontrar uma técnica de pré-tratamento que promova os resultados desejados torna-se ainda mais relevante quando se consideram as características particulares de cada tipo de biomassa.
[006] Diante das questões levantadas acerca do pré-tratamento, a literatura considera que uma técnica eficiente deve: (1) preservar a fração de pentoses, ou seja, a hemicelulose, que devido a sua característica amorfa, menos resistente que a celulose, pode ser convertida em produtos indesejáveis no pré-tratamento; (2) proporcionar alta disponibilidade de celulose na etapa de hidrólise; (3) minimizar o gasto energético; (4) reduzir o custo associado à redução de tamanho das matérias-primas; (5) minimizar os gastos com produtos químicos, reduzindo seu consumo; (6) evitar a produção de inibidores biológicos; (7) separar a lignina, que pode ser usada como um coproduto valioso; (8) evitar a formação de subprodutos; (9) necessitar de baixo investimento e custo operacional.
[007] A literatura apresenta diversas técnicas de pré-tratamento de biomassa lignocelulósica que já foram ou continuam sendo estudadas. Os vários tipos são, comumente, classificados em físicos, químicos, biológicos ou físico-químicos. No caso do pré-tratamento químico, substâncias químicas são usadas para fracionar a biomassa, reduzindo sua recalcitrância. Existem várias subcategorias desta tecnologia, sendo as mais amplamente divulgadas o pré-tratamento alcalino; o pré-tratamento ácido; o pré-tratamento com líquido iônico e o pré-tratamento organosolv. É importante ressaltar que os resultados obtidos dependem do produto químico utilizado, sendo importante avaliar variáveis como, concentração dos químicos, temperatura e tempo de reação, tipo de reator, além do uso de catalisador.
[008] O pré-tratamento organosolv utiliza solventes orgânicos para desconstruir a estrutura da biomassa lignocelulósica, geralmente, proporciona um fracionamento eficiente de seus componentes, podendo ser aplicado no contexto de biorrefinaria devido à possibilidade de aproveitamento de todas as frações, agregando valor ao processo e contribuindo para a redução de impactos ambientais. A celulose é recuperada na fração sólida com pouca degradação, enquanto grande parte da lignina e hemicelulose encontram-se dissolvidas no solvente orgânico. Com a remoção desses últimos a recalcitrância da biomassa é significativamente reduzida, além de ocorrer um aumento na área superficial e diminuição do grau de polimerização da celulose, fatores que melhoram os efeitos da hidrólise da celulose.
[009] Uma variedade de solventes orgânicos vem sendo estudados no pré-tratamento organosolv. Porém a escolha deve levar em consideração a segurança do processo, os impactos ambientais e a viabilidade econômica. Os álcoois de cadeia curta que apresentam baixo ponto de ebulição, como o etanol e o metanol, são muito empregados, principalmente em função da facilidade de sua recuperação. Contudo, os riscos associados à volatilidade e inflamabilidade restringem o desenvolvimento do processo.
[0010] Diante disso, a utilização de um solvente orgânico com ponto de ebulição elevado, permitindo sua operação à pressão atmosférica e com baixo investimento em equipamentos, aliado a bons aspectos econômicos e ambientais, facilitará o aperfeiçoamento e aplicação do pré-tratamento organosolv. Neste contexto, o glicerol, solvente orgânico não tóxico e de alto ponto de ebulição, obtido em grande quantidade como subproduto da fabricação do biodiesel, apresenta potencial como solvente verde para o pré-tratamento de biomassa lignocelulósica, principalmente quando se considera o emprego do glicerol bruto ou pouco processado, devido seu baixo custo, já que é um produto residual que sofreu desvalorização no mercado.
[0011] O tamanho de partícula da biomassa, a temperatura e a duração de um processo de pré-tratamento são variáveis importantes a serem consideradas. Outras variáveis que podem influenciar o pré-tratamento são a razão sólido/líquido e a porcentagem de água, essa última quando se trata do método organosolv com glicerol comercial, tendo em vista a necessidade de simular a condição real, com glicerol bruto, que dentre outros aspectos, apresenta água em sua composição.
[0012] O pré-tratamento, também, é algumas vezes conduzido na presença de catalisadores como NaOH e Na2CO3, HCl e H2SO4. Contudo, a corrosividade e a toxicidade associada a esses sistemas impulsionam a busca por catalisadores mais favoráveis. Sais metálicos como KCl, CaCl2, AlCl3, FeCl3, FeSO4, Fe2(SO4)3 estão sendo avaliados quanto ao melhoramento da digestibilidade enzimática de muitas biomassas. Efeitos promissores são principalmente obtidos com o FeCl3 em conjunto com o solvente etanol ou em solução aquosa.
[0013] Dentre os vários tipos de biomassa lignocelulósica que vêm sendo estudadas no sentido de avaliar o potencial energético para a produção do etanol celulósico e outros produtos químicos de valor agregado, pode-se destacar: o aguapé (Eichhornia Crassipes), uma planta aquática que tem taxa de crescimento elevada e de difícil controle, considerada uma erva daninha invasora em muitas partes do planeta. Isso porque degrada ecossistemas, obstrui rotas de navegação e danifica canais de irrigação e instalações hidrelétricas; o bagaço de cana-de-açúcar, resíduo agroindustrial abundante, proveniente da indústria sucroalcooleira; a palha de milho, resíduo gerado em grande quantidade a partir do beneficiamento do milho que é um importante produto agrícola em muitas partes do mundo; e a casca de coco verde, resíduo que se tornou muito abundante e problemático com a expansão da produção e consumo do coco verde, uma vez que após a extração da parte comestível a casca representa 80% da massa inicial e leva cerca de oito anos para se degradar.
[0014] Nessa invenção se utilizou o glicerol juntamente com o FeCl3, combinação utilizada pela primeira vez nesse estudo, e realizou-se planejamentos experimentais para se descobrir a faixa ideal para as principais variáveis do processo de pré-tratamento, de modo a atingir eficiência aliada a sustentabilidade econômica e ambiental. Alguns aspectos da invenção foram divulgados em um artigo científico (Santana et al., 2020)1.
[0015] Foram otimizadas, para o processo de pré-tratamento organosolv com glicerol e FeCl3, as variáveis temperatura, tempo, porcentagem de água, razão sólido/líquido, concentração de FeCl3 e tamanho de partícula. A otimização de todas essas variáveis em faixas amplas, para um mesmo processo e por meio de planejamentos experimentais que possibilita avaliar o sinergismo entre as mesmas, representa um diferencial dessa invenção, uma vez que na literatura dificilmente se encontram estudos de pré-tratamento de biomassa avaliando muitas variáveis, principalmente no tocante a avaliação da variável tamanho de partícula que costuma ser negligenciada.
[0016] Em adição, essa invenção otimizou o processo de pré-tratamento organosolv com glicerol e FeCl3 para quatro biomassas acima citadas: aguapé, bagaço de cana-de-açúcar, palha de milho e casca de coco verde. A descoberta de uma condição ótima comum às quatro biomassas, com características aparentes tão distintas, é um indicativo de que o processo no qual consiste essa invenção pode ser expandido para outras biomassas. Cabendo ressaltar a inexistência, na literatura, de um processo que foi aplicado para diferentes biomassas e se mostrou eficaz nas mesmas condições.
[0017] Por meio desse processo ocorreu alta remoção de hemicelulose nas quatro biomassas avaliadas, aproximadamente 90%. A remoção de lignina variou de biomassa para biomassa (31-90%), o bagaço de cana e a casca de coco, que apresentaram os maiores teores de lignina, foram as que tiveram maior deslignificação. A grande remoção destes dois constituintes da lignocelulose, para o licor (fração líquida do pré-tratamento), indica que o processo de pré-tratamento proposto nessa invenção reduziu a recalcitrância das biomassas. Alta remoção de hemicelulose com o uso de FeCl3 foi relatada na literatura2, indicando que o uso desse catalisador favoreceu a decomposição da mesma.
[0018] A recuperação da celulose na biomassa pré-tratada (fração sólida) variou de 51- 87%, resultado bem satisfatório tendo-se em vista que a celulose recuperada na fração sólida é o componente de maior interesse para a produção do etanol celulósico. Além disso, a realização da hidrólise enzimática da biomassa pré-tratada evidenciou que praticamente toda a celulose é convertida em açúcares redutores, mais especificamente em glicose. Após 48 h de sacarificação enzimática a conversão ou digestibilidade da celulose foi superior a 93% para as quatro biomassas, sendo que no caso do bagaço de cana e da palha de milho foi de aproximadamente 100%.
[0019] O elevado percentual de digestibilidade da celulose confirmou que o processo de pré-tratamento organosolv com glicerol e FeCl3 foi eficiente na redução da recalcitrância das biomassas e apresentou potencial para tornar a produção do etanol celulósico viável, pois não adianta recuperar a celulose no processo de pré-tratamento e depois não conseguir convertê-la no processo seguinte de hidrólise enzimática. A digestibilidade enzimática, ou seja, a capacidade de liberação de açúcares da biomassa pré-tratada foi o principal parâmetro (resposta) usado para a escolha da melhor condição de pré-tratamento.
[0020] Descobriu-se que a variável tempo, estudada desde 10 até 120 min, não é significativa para a liberação de açúcares redutores, o que indica que mantê-la em qualquer nível dentro dessa faixa não afetará o resultado. Assim, o tempo de reação foi otimizado para 10 min. Essa constatação é muito positiva por reduzir enormemente os gastos energéticos e de tempo.
[0021] A razão sólido/líquido (m/m), avaliada de 1-6%, também não foi significativa para a resposta, desse modo foi adotado o nível mais alto (6%) por reduzir o consumo de solvente, aumentando a viabilidade econômica do processo.
[0022] O efeito da temperatura, porcentagem de água e interação entre essas duas variáveis foram altamente significativos na resposta. Porém, a temperatura, que foi avaliada de 100 até 220 °C, apresentou efeito positivo sobre a liberação de açúcares, ou seja, o aumento da temperatura proporcionou maior liberação. Enquanto a porcentagem de água, ou seja, a adição de água ao meio reacional (0-40%) reduzindo proporcionalmente a quantidade de glicerol, ocasionou efeito negativo sobre a liberação de açúcares, de modo que sua adição, em qualquer proporção, reduziu a liberação de açúcares redutores. Além disso, a interação significativa entre essas duas variáveis revelou que na presença de água a temperatura praticamente não afeta a resposta, mas sem a sua adição ao meio reacional o aumento da temperatura conduz a uma elevação expressiva no rendimento em açúcares. Assim, a temperatura foi otimizada em 220 °C e a porcentagem de água em 0%, ou seja, não se deve adicionar água ao meio reacional. Cabendo ressaltar que, as reações que possibilitaram essa interpretação foram realizadas em reator fechado, acoplado a um sistema em refluxo.
[0023] A otimização do processo por meio de planejamentos experimentais também revelou que a temperatura e a concentração de FeCl3 (0,025-0,175 mol.L-1) interagem e não devem ter seus efeitos interpretados de forma isolada. Para as quatro biomassas ocorreu interação significativa entre essas duas variáveis, ficando evidente que a manutenção da temperatura de pré-tratamento a 220 °C e uma quantidade bem pequena de catalisador (0,025 mol.L-1), melhoram a viabilidade econômica (menor consumo de reagente) e também ambiental (efluente final menos contaminado).
[0024] No caso do tamanho de partícula, avaliado de < 0,85 a > 2,0 mm (2,0-4,0), percebeu-se que, apesar de muito pouco explorada em trabalhos da literatura, essa variável não deve ser negligenciada, uma vez que poderá influenciar o resultado. Para o aguapé essa variável foi significativa e deve ser mantida no nível inferior para que um bom rendimento seja atingido. No caso dessa biomassa o aumento da área superficial, pela redução da partícula, facilitou a alteração estrutural permitindo reduzir a quantidade de catalisador. Para as outras biomassas essa variável não foi significativa e pode ser utilizada desde o nível inferior até o superior. Sendo que para uma uniformização do processo foi adotado o tamanho de partícula < 0,85 mm para todas as biomassas.
[0025] Assim, através da realização de vários ensaios experimentais e posterior análise estatística da resposta chegou-se a condição de pré-tratamento otimizada: 10 min de reação; temperatura a 220 °C; razão sólido/líquido (m/m) a 6%; 0,025 mol.L-1 de FeCl3; tamanho de partícula < 0,85 mm; porcentagem de água a 0%. Alguns testes foram realizados tendo como referência essa condição ótima, visando validar sua eficiência e também encontrar uma situação mais favorável em substituição ao processo de lavagem da fração sólida após o pré-tratamento, antes de ser submetida a hidrólise enzimática, uma vez que essa lavagem para remoção dos resíduos do pré-tratamento costuma demandar grande quantidade de água e em alguns estudos até de outas substâncias, o que eleva o custo e a geração de resíduos. A liberação de açúcares obtida nesses testes foi comparada com a encontrada por meio da referida condição ótima.
[0026] Um dos testes consistiu na realização da reação seguindo a condição otimizada sem a adição do catalisador. Para a aguapé, o bagaço de cana e a casca de coco foi notório que a presença do catalisador FeCl3, na reação de pré-tratamento, aumenta o rendimento em açúcares liberados no processo de hidrólise enzimática. Entretanto, para a palha de milho a biomassa pré-tratada sem catalisador proporcionou rendimento em açúcares totais equivalente a condição ótima. Contudo, a análise desse hidrolisado por cromatografia líquida de alta eficiência-HPLC revelou a presença de pentoses, que correspondeu a 36% do total de açúcares.
[0027] Assim, mesmo para a palha de milho a adição do catalisador é vantajosa por permitir a obtenção de um hidrolisado seletivo para a presença de glicose (hexose), o que facilita o posterior processo fermentativo. No caso do bagaço de cana, além da reação sem catalisador ser menos eficiente, também se observou a presença de pentoses no hidrolisado (39% do total de açúcares). Comprova-se, então, que o catalisador atua na fração hemicelulósica, facilitando sua remoção.
[0028] Um outro teste foi realizado reduzindo a quantidade de FeCl3 pela metade. Observou-se que para a aguapé a liberação de açúcares permaneceu abaixo da condição ótima. Para o bagaço de cana e a palha de milho foi possível reduzir a quantidade de catalisador e obter o mesmo resultado proporcionado pela condição ótima, sendo que a análise dos hidrolisados por HPLC revelou a presença de uma quantidade muito pequena de pentoses, que não foi possível quantificar com segurança. Para a casca de coco o uso de 0,0125 mol.L-1 de FeCl3 apresentou ineficiência equivalente a da reação sem catalisador.
[0029] Realizou-se também um teste substituindo o FeCl3 por HCl. Notou-se que, em 48 h de sacarificação enzimática, o resultado foi equivalente ao da condição ótima para a casca de coco e, também, para a aguapé, considerando o desvio padrão. Para o bagaço de cana e a palha de milho se observou um aumento não expressivo na porcentagem de açúcares liberados com a utilização do HCl. Assim, comprova-se que o uso do FeCl3 em substituição a catalisadores convencionais, como o HCl, é promissor.
[0030] Um outro teste consistiu em pré-tratar as biomassas exatamente como a condição ótima e realizar a aplicação direta da biomassa pré-tratada úmida ao processo de sacarificação enzimática, após ter sido separada do licor, sem passar pelos processos de lavagem e secagem. Esse teste proporcionou, para todas as biomassas, liberação de açúcares equivalente a da biomassa lavada e seca, após 48 h de hidrólise, considerando-se o desvio padrão.
[0031] Resultado bastante promissor, mostra que para o processo de pré-tratamento organosolv com glicerol e FeCl3 não há necessidade de lavar a biomassa após a reação de pré-tratamento, o que acarreta em grande economia de água, contribuindo, ainda mais, para a sustentabilidade econômica e ambiental. Além disso, a não necessidade de realizar a secagem também se traduz em economia, de tempo, tendo em vista que após o pré-tratamento a biomassa pode ser encaminhada diretamente à hidrólise, e também energética, caso o processo de secagem fosse realizado em forno.
[0032] Outro ponto favorável do processo de pré-tratamento organosolv com glicerol e FeCl3, no qual consiste essa invenção, é a simplificação da recuperação da lignina e a redução do custo associado a esse procedimento. Isso porque, por meio da realização de alguns testes, percebeu-se não ser necessário adicionar ácido ao licor para precipitar a lignina, como fazem alguns trabalhos3,4, principalmente, quando o licor é derivado de processo básico. No caso desse estudo, o licor é naturalmente ácido, assim a lignina insolúvel em ácido já se encontra precipitada, sendo necessário apenas separá-la, o que foi feito por centrifugação. Notou-se que mesmo para os licores levemente ácidos (pH próximo a 7) não havia necessidade de adicionar ácido para reduzir o pH. Também não se observou alteração na cor do licor com a separação da lignina, mesmo nos testes com a adição de ácido. Situação comumente relatada quando se precipita lignina de licor básico.
[0033] O processo de lavagem da lignina, após separação, foi arquitetado de modo a consumir a menor quantidade possível de água e, também, possibilitar conhecer a dimensão desse consumo. Uma vez que o consumo de água não deve ser negligenciado, pois o gasto em excesso poderá inviabilizar o processo. Como a presente invenção faz uso do glicerol, substância viscosa, com ponto de ebulição elevado, a quantidade de água necessária à lavagem foi equivalente a 40% do volume do licor. Percentual que se mostrou suficiente para a remoção do excesso de glicerol, possibilitando a secagem da lignina.
[0034] Esta invenção também avaliou a eficácia do glicerol bruto, proveniente da produção de biodiesel, como solvente no processo de pré-tratamento organosolv com o uso de FeCl3. As reações foram realizadas seguindo a condição ótima. A utilização do glicerol bruto como recebido da indústria não foi promissora, devido à presença de impurezas associadas a produção do biodiesel, como ácidos graxos (sabão) que conferem viscosidade extrema, o que dificultou o processo e interferiu na reação de pré-tratamento. A recalcitrância não foi reduzida de modo eficaz, consequentemente a liberação de açúcares redutores foi baixa.
[0035] Assim, realizou-se uma purificação simples no glicerol bruto, tratamento com ácido, comumente chamado de neutralização. A principal pretensão desse tratamento consiste em remover os ácidos graxos que, juntamente com o catalisador básico residual, formam o sabão, conferindo ao glicerol bruto o aspecto extremamente viscoso e escuro. O processo ocorre pela reação do ácido com o sabão produzindo ácidos graxos livres insolúveis, sal e água. Com isso, os ácidos graxos precipitados podem ser separados por decantação, os mesmos ascendem ao topo, ficando o glicerol na parte inferior5.
[0036] Com o uso do glicerol bruto precipitado a liberação de açúcares se igualou a da condição ótima usando o glicerol comercial. A presença de água e álcool (residuais da produção do biodiesel) no glicerol bruto foi percebida pela intensa liberação de vapores do reator, uma vez que foi mantido aberto, mas a quantificação dos açúcares liberados mostrou que a presença desses não causou interferência ao processo. A eficácia do tratamento foi mantida quando a biomassa pré-tratada com o glicerol bruto precipitado foi submetida sem lavagem e úmida diretamente ao processo de hidrólise enzimática, atingindo-se o mesmo rendimento da reação com o glicerol comercial com a biomassa úmida e sem lavagem. Desse modo, dessa invenção conclui-se que, após tratamento simples com ácido o glicerol bruto pode ser aplicado com sucesso no pré-tratamento organosolv.
[0037] Os aspectos descritos sobre a invenção poderão ser melhor compreendidos por meio das Figuras, que podem ser visualizadas na seção desenhos.
A Figura 1 ilustra a interação significativa entre as variáveis temperatura e porcentagem de água.
A Figura 2 ilustra a interação significativa entre as variáveis concentração de FeCl3 e temperatura: (a) aguapé; (b) bagaço de cana; (c) palha de milho; (d) casca de coco.
A Figura 3 apresenta superfícies de resposta para a interação significativa entre a concentração de FeCl3 e a temperatura: (a) aguapé; (b) bagaço de cana; (c) palha de milho; (d) casca de coco.
A Figura 4 apresenta o percentual de açúcares liberados, no processo de hidrólise enzimática, para biomassas pré-tratadas por meio de testes na condição ótima: (a) aguapé; (b) bagaço de cana; (c) palha de milho; (d) casca de coco.
A Figura 5 mostra os espectros de infravermelho obtidos para as ligninas recuperadas dos licores de pré-tratamento das quatro biomassas avaliadas.
[0038] Para que o processo de pré-tratamento possa ser realizado o primeiro passo é obter as biomassas e prepará-las. Essas devem ser secas para teor de umidade inferior a 10%, quando possível por exposição a irradiação solar, método usado nessa invenção, e para facilitar a secagem a biomassa foi reduzida em pedaços com dimensão entre 15 e 20 cm. Em seguida as biomassas devem ser trituradas para obtenção do tamanho de partícula menor que 0,85 mm (< 0,85 mm). As biomassas avaliadas seguindo a proposta dessa invenção foram o aguapé, o bagaço de cana-de-açúcar, a palha de milho e a casca de coco verde. No caso do aguapé todas as partes da planta foram processadas juntas, e no caso da casca de coco utilizou-se o epicarpo junto com o mesocarpo.
[0039] A execução das reações de pré-tratamento organosolv com glicerol e FeCl3 em escala de laboratório ocorreu dentro de um sistema de exaustão de vapores. O meio reacional foi colocado em um reator (erlenmeyer), mantido aberto e aquecido em um banho de óleo utilizando uma placa de aquecimento com agitação magnética. O processo foi realizado com 1,5 g de biomassa in natura, seca e triturada para o tamanho de partícula < 0,85 mm (fração sólida). Utilizou-se como solvente orgânico (fração líquida) o glicerol comercial (Dinâmica, pureza 99,5%, Brasil) e para o banho de óleo foi utilizado o óleo de soja. Também foram realizadas reações com o glicerol bruto, apenas para a biomassa aguapé, o mesmo foi cedido pelo Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste - CETENE, Pernambuco, sendo proveniente da produção de biodiesel de algodão. O glicerol bruto foi submetido a um tratamento de precipitação, seu pH (originalmente 8,6) foi reduzido para 3,0 com a adição de ácido fosfórico 85%, sendo o glicerol agitado continuamente durante a adição do ácido. Após redução do pH o mesmo foi posto em uma coluna de separação por 24 h, permitindo separar o glicerol (fase inferior) dos ácidos graxos insolúveis que foram precipitados (fase superior).
[0040] Assim, para a realização das reações de pré-tratamento, por meio do processo proposto nessa invenção, transferiu-se 1,5 g de biomassa para um erlenmeyer. Em seguida, adicionou-se a quantidade apropriada da fração líquida de modo a se obter a razão sólido/líquido (m/m) de 6% (1,5 g de biomassa/25,0 g de glicerol), ou seja, 20 mL de glicerol. Acrescentou-se também o catalisador, 0,1351 g do cloreto de ferro III hexahidratado P.A., FeCl3.6H2O, (97-102%, Dinâmica, Brasil), de modo a se obter a concentração de 0,025 mol.L-1.
[0041] O erlenmeyer foi, então, imerso no banho de óleo previamente aquecido a temperatura de 220 °C em placa aquecedora com dispositivo de agitação magnética. Para a correta transferência de calor tanto o banho de óleo como o meio reacional foram agitados, por meio de uma barra magnética no banho e outra no erlenmeyer, a uma distância que possibilitava a agitação de ambas. Para isso o erlenmeyer foi posto suspenso no banho com o auxílio de uma garra. A velocidade de agitação foi mantida a 300 rpm. Após o meio reacional, contido dentro do erlenmeyer, atingir estabilidade térmica com o banho de óleo na temperatura de 220 °C, o sistema foi mantido nessas condições por 10 min.
[0042] Transcorridos os 10 min a agitação foi desligada, o erlenmeyer foi retirado do banho de óleo e para facilitar o resfriamento o mesmo foi colocado em um banho de água à temperatura ambiente. Quando a temperatura do conteúdo presente no erlenmeyer atingiu cerca de 80 °C foi realizada a filtração em tecido, sendo necessário utilizar 50 mL de água (água da torneira) para auxiliar na transferência de todo o conteúdo do erlenmeyer. Verificou-se o pH da fração líquida (licor de pré-tratamento), que variou de 4 a 6 a depender da biomassa. A fração líquida foi colocada em frasco plástico e armazenada sob refrigeração até ser usada para a recuperação da lignina e realização de análises. A fração sólida (biomassa pré-tratada) foi diretamente submetida ao processo de hidrólise enzimática sem lavagem e úmida.
[0043] O processo de hidrólise enzimática foi realizado com o uso da enzima comercial Cellic CTec3, da Novozymes Latin America Ltda (Paraná, Brasil), na proporção 10 - 20 FPU (Filter Paper Unit.g-1resíduo). O procedimento consistiu em adicionar a um erlenmeyer a biomassa pré-tratada, a enzima e uma solução de tampão citrato 50 mmol.L-1 a pH 4,8. Para cada 0,250 g de biomassa seca utilizou-se 10 μL da enzima e 30 mL da solução tampão. No caso da realização da hidrólise com a biomassa úmida, o conhecimento da quantidade de enzima necessária foi obtido através da realização de reações prévias, nas quais a biomassa pré-tratada foi lavada, para remoção do glicerol, e seca em estufa a 35 °C, o que possibilitou conhecer o rendimento sólido a partir de 1,5 g de biomassa in natura.
[0044] Após a adição dos componentes necessários à realização do processo de hidrólise enzimática, o erlenmeyer foi levado a uma incubadora refrigerada com circulação de ar e agitação orbital a temperatura de 48,5°C e rotação de 100 rpm durante 48 horas. Alíquotas do hidrolisado foram retiradas em intervalos de tempo pré-determinados durante este período. Essas foram filtradas em filtros de nylon 0,22 μm e armazenadas sob refrigeração para análise dos açúcares redutores liberados. A determinação dos açúcares foi feita pelo método do ácido 3,5-dinitrosalicílico (DNS) e por cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC).
[0045] A lignina removida para o licor (fração líquida do pré-tratamento) foi recuperada por centrifugação (10 min a 3.500 rpm), em centrífuga Centrifuge 5810 R (Eppendorf), seguida de lavagem e secagem em estufa a 40 °C. A lavagem foi realizada na centrífuga em duas etapas para garantir a remoção do excesso de glicerol. O volume total de água utilizado correspondeu a 40% do volume do licor que foi submetido a centrifugação. Em cada etapa de lavagem, adicionou-se metade da água requerida ao tubo falcon com o sólido (lignina), agitou-se vigorosamente para homogeneização e centrifugou-se por 10 min.
[0046] A Tabela 1 mostra as concentrações de hidroximetilfurfural-HMF, furfural e ácido acético que foram determinadas, por HPLC, nos hidrolisados e licores da condição ótima e seus respectivos testes. A determinação desses subprodutos se faz importante para avaliar se o hidrolisado e licor de pré-tratamento tem potencial para produzir rendimento satisfatório em etanol quando submetido a processo fermentativo, considerando o efeito inibitório que esses compostos causam aos micro-organismos responsáveis pela fermentação.
[0047] Os estudos de Bellido et al. (2011 )6 e Toquero; Bolado (2014)7 avaliaram a influência inibitória do ácido acético sobre a levedura Pichia Stipitis, que se mostrou promissora na fermentação de pentoses, mas também foi capaz de fermentar hexoses. Concluíram que a produção de etanol reduziu em média 20% com a presença de 0,5 g.L-1 de ácido acético, chegando a inibição completa quando sua concentração foi de 3,5 - 4,0 g.L-1. Para o furfural a ação inibitória foi relevante a partir de 2,0 g.L-1, e para o HMF a partir de 0,5 g.L-1. Sendo que no caso do último a inibição foi menos pronunciada e a presença de concentrações da ordem de 0,1 g.L-1 trouxe efeito positivo ao processo fermentativo6.
[0048] Avaliando-se os resultados da Tabela 1, nota-se que os hidrolisados da condição ótima podem ser submetidos ao processo fermentativo sem passar por tratamento adicional, uma vez que o ácido acético está presente em concentração abaixo de 0,5 g.L-1, com exceção da palha de milho (0,87 g.L-1). Além disso, o HMF e o furfural, quando detectados, se encontram em níveis bem abaixo do necessário para ocasionar ação inibitória, o que também foi observado nos outros hidrolisados.
[0049] Notou-se que o pré-tratamento com HCl, comparado ao com FeCl3, produziu maior quantidade de ácido acético nos hidrolisados do aguapé, bagaço de cana e casca de coco, sendo equivalente no caso da palha de milho. Essas concentrações, vistas na Tabela 1, já são suficientes para ocasionar considerável efeito inibitório. Desse modo, conclui-se que realizar o pré-tratamento com FeCl3 é mais vantajoso. Também é importante observar que as biomassas pré-tratadas sem catalisador conduzem a uma maior produção de ácido acético que as pré-tratadas com FeCl3.
[0050] Nos licores, o HMF e o furfural exibem concentrações um pouco superior à dos hidrolisados, mas elas estão bem abaixo das necessárias para ocasionar inibição. Contudo, quando se trata do ácido acético a concentração é alta, sendo suficiente para ocasionar forte inibição. Com isso, não é viável submeter os licores a um processo fermentativo sem a realização de um tratamento prévio que possibilite reduzir a ação negativa do ácido acético. Uma alternativa, quando se pensa em uma biorrefinaria, é recuperar esse subproduto por destilação e agregar valor ao mesmo.
[0051] De acordo com Kamireddy et al. (2013)8 a formação de ácido acético é associada aos grupos funcionais éster e acetil que se ligam a monossacarídeos na hemicelulose. Como o pré-tratamento quebra essas ligações forma-se o ácido acético. Assim, a alta concentração desse subproduto nos licores está relacionada à elevada remoção de hemicelulose proporcionada pelo pré-tratamento organosolv com glicerol.
Figure img0001
[0052] Outros trabalhos, que fizeram uso de FeCl3 e obtiveram grande remoção de hemicelulose, também detectaram o ácido acético em alta concentração no licor. O pré-tratamento da palha de milho com soluções aquosas de FeCl3, a 160°C, nas concentrações de 0,075 e 0,125 mol.L-1 formou, respectivamente, 2,91 e 3,30 g.L-1 de ácido acético8. O pré-tratamento organosolv com etanol do bagaço de cana com 0,025 mol.L-1 de FeCl3 a 190 °C produziu 2,4 g.L-1 desse subproduto no licor, concluindo-se que quanto mais elevada é a temperatura maior sua formação2.
[0053] Porém, na presente invenção a formação de HMF e furfural foi menor que nos estudos citados. O que pode estar relacionado ao uso do glicerol, uma vez que Zhang et al. (2015)9 afirmaram que o glicerol previne a desidratação e clivagem das ligações glicosídicas. A formação reduzida desses compostos mostra-se vantajosa, tendo em vista que uma mistura de inibidores é ainda mais prejudicial ao processo fermentativo6,7.
[0054] A Tabela 2 mostra, para as quatro biomassas avaliadas nessa invenção, a quantidade de glicose produzida no hidrolisado em miligrama por grama de biomassa pré-tratada e em grama por cem gramas de biomassa in natura, a máxima quantidade teórica de glicose que pode ser produzida considerando o teor de celulose na biomassa in natura, bem como a comparação com trabalhos disponíveis na literatura.
[0055] Para o aguapé, o trabalho de Guragain et al. (2011)10 é a referência de maior poder comparativo com a presente invenção, tendo em vista que também avaliou o pré-tratamento organosolv com glicerol sobre essa biomassa (1 h; 230 °C). Como se observa na Tabela 2, a quantidade de açúcares obtida por eles foi um pouco maior que a desse estudo, contudo não apresentaram a composição da biomassa, nem antes nem após o pré-tratamento para que se possa ter um melhor entendimento sobre o resultado, que pode estar relacionado a diferenças na composição da biomassa. Além disso, o resultado deles não foi seletivo para a produção de glicose, indicando a presença de quantidade considerável de hemicelulose na biomassa pré-tratada, e usaram uma carga enzimática extremamente alta.
Figure img0002
pré-T: biomassa pré-tratada; in N: biomassa in natura; AR: açúcares redutores; Em relação a quantidade de celulose na biomassa in natura.
[0056] A quantidade de glicose produzida nessa invenção para o bagaço de cana (Tabela 2) foi comparada a obtida por Zhang et al. (2018)11 que realizaram o pré-tratamento com soluções aquosas de FeCl3 (160 °C; 10 min; 0,025 mol.L-1 FeCl3) em reator específico. A quantidade de glicose produzida por eles, no hidrolisado, foi bem semelhante à dessa invenção. Porém, o bagaço usado pelos mesmos apresentou cerca de 8% mais celulose, e a reação foi conduzida em sistema pressurizado, estratégia menos segura e de maior custo.
[0057] Na atual invenção ocorreu maior perda de celulose para o licor de pré-tratamento, que foi acompanhada de 91,5% de deslignificação, associada ao uso de glicerol em alta temperatura (220 °C). Essa grande remoção de lignina, junto com a remoção de 93,3% da hemicelulose, possibilitou que a celulose recuperada na biomassa pré-tratada apresentasse uma conversão a glicose de praticamente 100% em 48 h. No caso de Zhang et al. (2018)11 a recalcitrância foi reduzida em menor extensão, uma vez que praticamente não houve remoção de lignina. Assim, a celulose que foi recuperada, quantidade superior à dessa invenção, não foi convertida por completo em glicose. Uma estratégia usada por eles foi a adição de surfactante (tween 80) ao processo de hidrólise enzimática, o que levou a uma produção de glicose maior que a apresentada na Tabela 2, porém encareceu o processo. Além disso, formação similar de inibidores ocorreu no trabalho deles. Conclui-se que essa invenção se mostra mais favorável, uma vez que a celulose solubilizada no licor poderá, também, ser aproveitada, após remoção do ácido acético formado.
[0058] Para a palha de milho Wei et al. (2019)12 realizaram um pré-tratamento organosolv com DMSO (dimetilsulfóxido) catalisado por FeCl3 (120 °C; 45 min; 0,05 mol.L-1 FeCl3). Alcançaram um alto rendimento de glicose no hidrolisado, que foi decorrente da alta recuperação de celulose na palha pré-tratada (91,9%), com alta remoção de hemicelulose (93,1%) e relativa deslignificação (29,8%), de modo que praticamente toda celulose recuperada foi convertida em glicose. Na presente invenção o pré-tratamento organosolv com glicerol catalisado por FeCl3 também proporcionou alta remoção de hemicelulose (94,7%) e considerável deslignificação (38,5%), o que levou a uma digestibilidade de celulose de praticamente 100%. Onde o menor rendimento de glicose no hidrolisado é decorrente da menor recuperação de celulose (54,6%).
[0059] Assim, essa invenção mostra-se competitiva com o trabalho de Wei et al. (2019)12, uma vez que os açúcares disponibilizados no licor de pré-tratamento podem ser fermentados após remoção do ácido acético. A fração líquida deles também apresentou inibidores (nível considerável de furfural e ácido acético), o que indica a necessidade de remoção dos mesmos para aproveitamento dos açúcares. Também, eles utilizaram concentração de FeCl3 duas vezes superior à desse estudo, e tempo de reação mais de quatro vezes superior.
[0060] Em adição, o uso de glicerol em relação ao DMSO também se mostra mais vantajoso, uma vez que o glicerol vem sofrendo desvalorização no mercado devido a sua formação como subproduto na produção de biodiesel, havendo possibilidade de aproveitamento do glicerol bruto, como mostra essa invenção. O DMSO, apesar de ter um ponto de ebulição consideravelmente elevado e um nível de toxidade aceitável, é muito utilizado como solvente para diversas aplicações. Com isso, seu uso no pré-tratamento de biomassas poderá elevar o custo do mesmo, não compensando economicamente.
[0061] Tratando-se da casca de coco, a quantidade de glicose obtida no hidrolisado não se mostra desfavorável com relação a obtida por estudos recentes. Indicando que a solubilização de boa parte da celulose no licor é uma característica de diferentes tipos de pré-tratamento. Nogueira et al. (2018)13, ao utilizar um pré-tratamento alcalino diluído (NaOH 2% p/v) em autoclave a 121 °C por 10 min, obtiveram a produção de 430 mg de açúcares redutores no hidrolisado por grama de biomassa de coco pré-tratada. Sendo esse resultado, diferentemente dessa invenção, não seletivo para a produção de glicose (247 mg.g-1), o que está relacionado a baixa remoção de hemicelulose. Gundupalli e Bhattacharyya (2019)14, com a realização de um pré-tratamento com ácido sulfúrico (8,2 mim; 200 °C; 0,21% p/p de ácido), obtiveram 12 gramas de glicose por 100 gramas de coco in natura, quantidade um pouco inferior à desse estudo, mesmo com a utilização de biomassa com maior teor de celulose, e tamanho de partícula semelhante ao dessa invenção. Sendo importante frisar que os trabalhos citados fizeram uso de um sistema pressurizado, o que implica menor segurança ao processo e maior custo com equipamentos.
  • 1. Santana, J. C.; Abud, A. K. S.; Wisniewski Jr, A.; Navickiene, S.; Romão, L. P. C. Optimization of an organosolv method using glycerol with iron catalysts for the pretreatment of water hyacinth. Biomass and Bioenergy, v. 133, p. 105454, 2020.
  • 2. Zhang, H.; Zhang, S.; Yuan, H.; Lyu, G.; Xie, J. FeCl3-catalyzed ethanol pretreatment of sugarcane bagasse boosts sugar yields with low enzyme loadings and short hydrolysis time. Bioresource Technology, v. 249, p. 395-40, 2018.
  • 3. Kim, D.; Cheon, J.; Kim, J.; Hwang, D.; Hong, I.; Kwon, O. H.; Park, W. H.; Cho, D. Extraction and characterization of lignin from black liquor and preparation of biomass-based activated carbon there from. Carbon Letters, v. 22, p. 81-88, 2017.
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  • 6. Bellido, C.; Bolado, S.; Coca, M.; Lucas, S.; González-Benito, G.; García-Cubero, M. T. Effect of inhibitors formed during wheat straw pretreatment on ethanol fermentation by Pichia stipites. Bioresource Technology, v. 102, p. 10868-10874, 2011.
  • 7. Toquero, C.; Bolado, S. Effect of four pretreatments on enzymatic hydrolysis and ethanol fermentation of wheat straw. Influence of inhibitors and washing. Bioresource Technology, v. 157, p. 68-76, 2014.
  • 8. Kamireddy, S. R.; Li, J.; Tucker, M.; Degenstein, J.; Ji, Y. Effects and mechanism of metal chloride salts on pretreatment and enzymatic digestibility of corn stover. Industrial & Engineering Chemistry Research, v. 52, p. 1775-1782, 2013.
  • 9. Zhang, W.; Barone, J.R.; Renneckar, S. Biomass fractionation after denaturing cell walls by glycerol thermal processing. ACS Sustainable Chemistry & Engineering, v. 3, p. 413-420, 2015.
  • 10. Guragain, Y. N.; Coninck, J. D.; Husson, F.; Durand, A.; Rakshit, S. K. Comparison of some new pretreatment methods for second generation bioethanol production from wheat straw and water hyacinth. Bioresource Technology, v. 102, p. 4416-4424, 2011.
  • 11. Zhang, H.; Lyu, G.; Zhang, A.; Li, X.; Xie, J. Effects of ferric chloride pretreatment and surfactants on the sugar production from sugarcane bagasse. Bioresource Technology, v. 265, p. 93-101,2018.
  • 12. Wei, W.; Jin, Y.; Wu, h.; Yuan, Z. Improving corn stover enzymatic saccharification via ferric chloride catalyzed dimethyl sulfoxide pretreatment and various additives. Industrial Crops & Products, v. 140, p. 111663, 2019.
  • 13. Nogueira, C. C.; Padilha, C. E. A.; Leitão, A. L. S.; Rocha, P. M.; Macedo, G. R.; Santos, E. S. Enhancing enzymatic hydrolysis of green coconut fiber— Pretreatment assisted by tween 80 and water effect on the post-washing. Industrial Crops & Products, v. 112, p. 734-740, 2018.
  • 14. Gundupalli, M. P.; Bhattacharyya, D. Sequential acid hydrolysis and enzymatic saccharification of coconut coir for recovering reducing sugar: Process evaluation and optimization. Bioresource Technology Reports, v. 6, p. 70-80, 2019.

Claims (5)

  1. PROCESSO DE PRÉ-TRATAMENTO DE BIOMASSAS PELO MÉTODO ORGANOSOLV PARA OBTENÇÃO DE AÇÚCARES REDUTORES E LIGNINA caracterizado por usar o solvente glicerol em conjunto com o catalisador FeCl3, ser eficaz, na mesma condição, para as biomassas aguapé, bagaço de cana, palha de milho e casca de coco verde, e poder ser aplicado a outras biomassas.
  2. PROCESSO DE PRÉ-TRATAMENTO DE BIOMASSAS, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pela reação de pré-tratamento ser preferencialmente conduzida por 10 min; sob temperatura de 220 °C; com razão sólido/líquido (m/m) a 6%; concentração do catalisador FeCl3 a 0,025 mol.L-1 e tamanho de partícula da biomassa menor que 0,85 mm, a reação pode também ser conduzida com pequenas variações nos parâmetros tendo como referência a faixa de 10-120 min; 100-220 °C; sólido/líquido (m/m) de 1-6%; 0,025-0,175 mol.L-1 de FeCl3 e tamanho de partícula <0,85 a >2,0 mm (2,0-4,0).
  3. PROCESSO DE PRÉ-TRATAMENTO DE BIOMASSAS, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pela biomassa, após pré-tratamento e filtração em tecido, poder ser diretamente encaminhada sem lavagem e úmida a hidrólise enzimática.
  4. PROCESSO DE PRÉ-TRATAMENTO DE BIOMASSAS, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado por possibilitar tanto o uso do glicerol comercial quanto o uso do glicerol bruto, advindo da produção do biodiesel, após ser submetido a tratamento simples com ácido que ocasiona a precipitação dos ácidos graxos residuais.
  5. PROCESSO DE PRÉ-TRATAMENTO DE BIOMASSAS, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pela recuperação da lignina, removida para o licor de pré-tratamento, ocorrer de forma simplificada, por centrifugação, sem necessitar da adição de ácido.
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Date Code Title Description
B03A Publication of a patent application or of a certificate of addition of invention [chapter 3.1 patent gazette]
B11A Dismissal acc. art.33 of ipl - examination not requested within 36 months of filing
B04C Request for examination: application reinstated [chapter 4.3 patent gazette]