CAMPO DA INVENÇÃO
[001] A presente invenção destina-se ao método de obtenção de uma estrutura supramolecular de lamivudina, forma VII, e composições farmacêuticas contendo a dita estrutura de dupla hélice monomérica estabilizada por solventes e agentes de co-cristalização. Adicionalmente, o presente pedido trata do uso dessa forma supramolecular de lamivudina no preparo de medicamentos indicados como agente anti-HIV (síndrome da imunodeficiência adquirida - SIDA).
ANTECEDENTES DA INVENÇÃO
[002] Os inibidores de transcriptase reversa nucleosídicos (ITRN) foram os primeiros fármacos aprovados para o tratamento da AIDS, e atuam impedindo a polimerização do DNA. Tais compostos, análogos estruturais dos nucleosídeos intracelulares modificados através da substituição de uma hidroxila na posição 3’ por um átomo de hidrogênio, são capazes de inibir seletivamente a enzima viral responsável pela síntese de DNA a partir de seu RNA, após infecção da célula hospedeira.
[003] A partir de estratégias de planejamento racional de fármacos, outros análogos nucleosídicos foram sintetizados visando melhorar propriedades biofarmacocinéticas e potencializar a ação anti-HIV.
[004] Lamivudina (C8H11O3N3S, CAS No. 134678-17-4) é quimicamente denominada (2R-cis)-4-amino-1-[2-(hidroximetil)-1,3- oxotiolan-5-il]-2(1H)-pirimidinona. Alternativamente, lamivudina também é sistematicamente reconhecida por (-)-cis-4-amino-1-(2- hidroximetil-1,3-oxotiolan-5-il)-(1H)-pirimidina-2-ona. Somente um enantiômero possui atividade biológica comprovada, e é conhecido como lamivudina. Com relação à similaridade aos nucleosídeos intracelulares, lamivudina é um análogo 2’-desoxigenado da citidina onde há também uma substituição isostérica do grupo 3’-metileno da ribose por um átomo de enxofre.
[005] Lamivudina é comercializada em uma formulação sólida (EPIVIR®) pela companhia farmacêutica GlaxoSmithKline.
[006] A lamivudina pode-se mostrar em duas formas (I e II), a forma I pode ainda apresentar dois hábitos cristalinos morfologicamente distintos: bastões curtos e agulhas extremamente finas. Ela é caracterizada por cristalizar no sistema cristalino ortorrômbico, grupo espacial não-centrossimétrico P212121, com 20 moléculas de lamivudina e quatro moléculas de água por cela unitária cristalográfica. Como pode ser presumido, existem cinco moléculas de lamivudina para cada água, constituindo esta a unidade cristalográfica assimétrica (Robin K. HARRIS, Race R. YEUNG, R. Brian LAMONT, Robert W. LANCASTER, Sean M. LYNN, Susan E. STANIFORTH. ‘Polymorphism’ in a novel antiviral agent: Lamivudine. J. Chem. Soc., Perkin Trans. 2, p. 2653-2659, 1997).
[007] Os cristais da forma II de lamivudina são bipirâmides com base quadrangular. Ela é caracterizada por cristalizar no sistema cristalino tetragonal, grupo espacial não-centrossimétrico P43212, com oito moléculas de lamivudina na cela unitária cristalográfica. Como pode ser caracterizada, por meio de várias técnicas analíticas e estruturais, incluindo difração de raios-X por monocristais, ela é uma forma desidratada que apresenta uma única molécula constituindo a unidade cristalográfica assimétrica (Robin K. HARRIS, Race R. YEUNG, R. Brian LAMONT, Robert W. LANCASTER, Sean M. LYNN, Susan E. STANIFORTH. ‘Polymorphism’ in a novel anti-viral agent: Lamivudine. J. Chem. Soc., Perkin Trans. 2, p. 2653-2659, 1997).
[008] Com relação à composição da Forma III de lamivudina, moléculas de água também estão presentes no cristal, além, é claro, de moléculas de lamivudina. Esse hidrato de lamivudina é, de fato, um hemidrato de lamivudina, caracterizado por cristalizar em uma rede monoclínica, no grupo espacial não-centrossimétrico P21, com uma molécula de lamivudina e metade de uma molécula de água na unidade cristalográfica assimétrica, e, portanto, duas moléculas de lamivudina e uma molécula de água por cela unitária cristalográfica. Dentro do cristal, certas ligações de hidrogênio mantêm um arranjo intermolecular envolvendo quatro moléculas de lamivudina e duas moléculas de água.
[009] Recentemente, uma quarta forma cristalina de lamivudina foi desenvolvida através da co-cristalização de lamivudina e sacarina. Certas quantidades desses compostos, em proporções equimolares, são dissolvidas em uma mistura de dois solventes (metanol e clorofórmio, 1:1 vol/vol), e a solução resultante permanece sob repouso à temperatura ambiente para, então, por processo de evaporação lenta do sistema solvente, obter os cristais de sacarinato de lamivudina (BANERJEE et al., Saccharin Salts of Active Pharmaceutical Ingredients, Their Crystal Structures, and Increased Water Solubilities. Cryst. Growth Des., vol. 5, no. 6, p. 2299-2309, 2005). A estrutura dessa forma cristalina do sacarinato de lamivudina foi resolvida em uma rede ortorrômbica, no grupo espacial não-centrossimétrico P212121, com uma molécula de lamivudina carregada positivamente (cátion) e um ânion sacarinato na unidade cristalográfica assimétrica, e, portanto, com quatro pares iônicos lamivudina-sacarinato na cela unitária cristalográfica.
[0010] As formas cristalinas de lamivudina existentes expõem a possibilidade de serem incorporadas em formulações farmacêuticas diferentes fases sólidas desse fármaco. Entretanto, a Forma I de lamivudina tem propriedades de fluxo e densidade de partículas indesejáveis, dificultando o seu uso em formas farmacêuticas sólidas contendo lamivudina como ingrediente farmacêutico ativo. Tanto a padronização quanto a manutenção da qualidade da matéria prima e dos produtos finalizados são afetadas como consequência das características físicas desfavoráveis desta forma cristalina de lamivudina. Em contrapartida, formas farmacêuticas sólidas apresentando lamivudina como ingrediente ativo podem ser preparadas com as Formas II e III. A Forma II tem perfis de dissolução e características técnicas adequadas para a produção de medicamentos. Similarmente à Forma II, é descrito um potencial de emprego clínico da Forma III de lamivudina.
[0011] Uma forma cristalina, na qual lamivudina forma um sal com sacarinato não pode ser considerado como uma boa alternativa para a produção de formas farmacêuticas sólidas de lamivudina. Isso se deve à sua baixa solubilidade em sistemas aquosos, indo, inclusive, em uma tendência contrária àquela da maioria dos fármacos ionizados, na forma de sais, os quais geralmente são mais solúveis que as formas dos fármacos livres (BANERJEE et al., Saccharin Salts of Active Pharmaceutical Ingredients, Their Crystal Structures, and Increased Water Solubilities. Cryst. Growth Des., vol. 5, no. 6, p. 2299-2309, 2005). Esta forma é caracterizada por cristalizar no sistema cristalino ortorrômbico, grupo espacial não-centrossimétrico P212121, com quatro dímeros de lamivudina e sacarinato por cela unitária cristalográfica. Nesta estrutura, lamivudina atua como cátion devido ao nitrogênio imínico do anel pirimidínico estar protonado e o sacarinato ser a espécie molecular carregada negativamente. Assim, a unidade cristalográfica assimétrica desta forma cristalina é composta por uma molécula de lamivudina e outra de sacarinato. Este sal é preparado por meio de um processo de co-cristalização via evaporação lenta de uma mistura binária de solventes constituída de metanol e clorofórmio (1:1, vol./vol.), onde quantidades equimolares de lamivudina e sacarina são previamente dissolvidas.
[0012] Uma estratégia muito utilizada para melhorar a solubilidade, e, consequentemente, a biodisponibilidade de um fármaco, bem como, prover suas características de manufatura, consiste em preparar formas cristalinas nas quais as moléculas ativas estão carregadas negativamente, em geral quando os fármacos possuem grupamentos ácidos prevalecendo e/ou positivamente, neste caso, na maioria das vezes, os fármacos apresentam caráter básico predominante.
[0013] A solubilidade de um fármaco, e, consequentemente, a sua biodisponibilidade, e as características de manufatura podem ser aprimoradas usando várias estratégias, entre elas, a preparação de formas cristalinas contendo as moléculas bioativas associadas com outros compostos (co-cristais). Ainda, tanto o fármaco quanto a molécula co-cristalizada podem estar ionizados. Um dos agentes de co-cristalização mais utilizados para estes propósitos é o ácido maleico. Quimicamente, ele é um ácido orgânico insaturado dicarboxílico com quatro átomos de carbono, nomeado sistematicamente ácido 2(Z)-butenodióico. Especificamente, o isômero cis é o ácido maleico, enquanto que o isômero trans é chamado ácido fumárico.
[0014] Comumente, os fármacos quando cristalizados na presença do ácido maleico formam sais de maleato, exceto em certas condições que a matriz solvente é extremamente ácida. Isto ocorre devido à ionização de um dos grupos carboxílicos, ou de ambos.
[0015] A praticidade de síntese, o alto rendimento da preparação laboratorial, o baixo teor de impurezas residuais, e, a melhora substancial das propriedades farmacotécnicas e de solubilidade em comparação com a espécie molecular não ionizada são alguns dos atrativos oferecidos pelos maleatos que estimulam o desenvolvimento de formas cristalinas contendo este ácido dicarboxílico, preferencialmente em uma de suas formas aniônicas.
[0016] A enzima transcriptase reversa é obrigatoriamente requerida para replicação do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e ela é o alvo de muitos dos agentes anti-HIV aprovados para o tratamento da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Para realizar a transcrição de um genoma viral de RNA em uma cópia de DNA de dupla fita, a qual, por sua vez, poderá ser incorporada dentro do genoma da célula hospedeira, a enzima transcriptase reversa do HIV-1 (HIV-1 TR) deve ser hábil para realizar algumas atividades catalíticas, como, por exemplo, efetuar polimerização de DNA a partir de RNA e depois polimerizar DNA a partir do DNA recém sintetizado. A via reacional catalisada pela HIV-1 TR envolve um mecanismo ordenado onde desoxirribonucleosídeos trifosfatos (dNTP) são adicionados dentro da fita de DNA em crescimento. Desta forma, análogos de nucleosídeos celulares são fosforilados após interiorização celular para originar derivados 5’- trifosfatos que acabam competindo com dNTP naturais pela incorporação dentro do DNA que está sendo sintetizado a partir do molde de RNA do genoma viral. Quando adicionados, os inibidores finalizam a cadeia de DNA outrora em contínua síntese, como é conhecido pela patente europeia EP 254.268.
[0017] A resistência aos análogos de nucleosídeos inibidores de HIV-1 TR é associada às substituições de aminoácidos em posições específicas onde se ligam os nucleotídeos trifosfatos a serem incorporados dentro da fita de DNA, substituições estas que reduzem as taxas de inserção de inibidores trifosfatos, e, consequentemente, impedem a finalização da polimerização de DNA a partir de RNA genômico do HIV-1, como descrito nas publicações internacionais WO 2007/121415, WO 99/61658 e WO 99/66936.
[0018] Mecanismos alternativos de resistência vêm sendo propostos, como aquele que implica na aquisição de mutações que são frequentemente designadas como mutações de resistência aos análogos de timidina. Tais mutações aumentam a capacidade da HIV-1 TR de retirar dos iniciadores de DNA bloqueados o inibidor que interrompe o crescimento da cadeia de DNA na extremidade 3’-terminal, habilidade esta que está baseada na fosforólise mediada por ATP ou por pirofosfato inorgânico (PPi) (MEYER et al., A mechanism of AZT resistance: an increase in nucleotide-dependent primer unblocking by mutant HIV-1 reverse transcriptase. Mol. Cell 4, p. 35-43, 1999). Tal excisão mostra-se mais eficiente quando análogos de timidina estão terminando a polimerização do DNA, como, por exemplo, o inibidor 3‘-azido-3‘- deoxitimidina, nomeado usualmente de zidovudina, ou, simplesmente AZT.
[0019] A classe farmacodinâmica dos inibidores da transcriptase reversa nucleosídicos (ITRNs) é um dos principais grupos de fármacos que são clinicamente usados na terapêutica anti-HIV. Desde o sucesso inovador do AZT, muitos esforços foram destinados para o desenvolvimento de novos derivados pirimidínicos com potência inibitória sobre HIV-1 TR incrementada e menor toxicidade para as células hospedeiras. De fato, o AZT foi o primeiro representante da classe dos derivados nucleosídicos a ser regulamentado pelo FDA para o uso com pacientes HIV-1 soro positivo, e este fármaco mostra benefícios clínicos efetivos contra a infecção tanto por HIV-1 quanto por HIV-2.
[0020] Do ponto de vista molecular, os ITRNs são sintetizados visando mimetizar os nucleosídeos celulares, diferindo sempre destes por, no mínimo, serem ausentes de um grupo hidroxila na posição 3’ do núcleo da desoxirribose.
[0021] Os esforços supramencionados renderam um vasto arsenal de outros análogos nucleosídeos. Entre eles, podemos citar lamivudina (citado anteriormente), um ITRN de segunda geração com perfil farmacológico substancialmente melhorado quando comparado com aquele do AZT e de outros inibidores didesoxinucleosídicos.
[0022] A publicação internacional WO 2007/114922 descreve duas formas do maleato de (5S,8S)-8-(((1R)-1-(3,5-di-(trifluorometil)fenil)- etóxi)-metil)-8-fenil-1,7-diazaspiro(4,5)decan-2-ona. Ambas as formas apresentando o maleato co-cristalizado têm menor proporção de impurezas e a qualidade dos produtos farmacêuticos acabados contendo estas formas é melhor, quando comparado com a forma amorfa do respectivo fármaco livre, aquela ausente de qualquer agente de co- cristalização ou solvente.
[0023] A patente americana US 2007004783 descreve duas formas cristalinas de maleato de anlodipino, conhecidas como a Forma I e a Forma II do maleato de anlodipino. A preparação destas formas é simples e envolve a dissolução de ácido maleico em um solvente, como acetato de etila, ou em uma mistura de solventes, seguido da adição de anlodipino à temperatura ambiente e aquecimento da mistura reacional até a temperatura de refluxo do solvente ou da mistura de solventes. Ambas as formas, quando incorporadas em formulações farmacêuticas, cumprem satisfatoriamente as especificações e requerimentos necessários para validar os seus empregos em formas sólidas destinadas ao uso clínico.
[0024] A patente americana US 5.041.543 revela o zidovudina, 3’-azido-3’-deoxitimidina (AZT), que foi o primeiro fármaco antiretroviral que propiciou efetivamente benefícios clínicos, com atividade contra HIV-1 e HIV-2, e, também, o primeiro a ser aprovado para o tratamento de infecções por HIV.
[0025] A patente americana US 5.047.407 e patente europeia EP 382.526, de titularidade da GlaxoSmithKline, reivindicam a preparação de compostos derivados do núcleo 1,3-oxotiolano e todos os seus isômeros geométricos e ópticos, bem como, suas misturas.
[0026] A patente americana US 5.905.082 descreve duas formas polimórficas de lamivudina, denominadas forma I e forma II. A forma I é um polimorfo metaestável que se converte, quando exposto à temperatura de 179,6°C, na forma II, esta sendo a forma estável de lamivudina. Adicionalmente, a patente americana também reivindica um método de preparação da forma I de lamivudina através do aquecimento até 45°C de uma suspensão de 64,8 mg de lamivudina em 200 ml de água com o propósito de obter uma solução que deve ser resfriada até 30°C. Com este procedimento, uma massa é depositada e não pode ser mais agitada, quando, então, ela deve ser fracionada e resfriada até 10°C com agitação. Sequencialmente, etapas de filtração e secagem durante 24 horas a 45°C rendem os cristais da forma I de lamivudina. Ainda, a patente americana relata como a forma II é preparada através do aquecimento até refluxo de uma suspensão de 10 mg de lamivudina em 200 ml de álcool desnaturado com o propósito de obter uma solução límpida que deve ser filtrada ainda quente. Depois, cerca da metade do volume do solvente do filtrado deve ser destilado e, então, o aquecimento é interrompido, quando cristais reconhecidos da forma II são semeados na solução pré-concentrada. A solução já adicionada dos cristais “sementes” da forma II é então resfriada de 80°C para 25°C, por uma hora, com início do crescimento dos cristais a 79°C. Por fim, etapas de resfriamento, agora até 15°C, e agitação por uma hora, sucedidas de filtração, lavagem com álcool desnaturado e secagem, fornecem os cristais da forma II de lamivudina.
[0027] A publicação internacional WO 2003/027106 mostra que a forma II, de lamivudina, também pode ser obtida através da suspensão de 100 g de salicilato de lamivudina monoidratado em 600 ml de acetato de etila, ou acetonitrila, agitação por 10 minutos a uma faixa de temperatura variando desde 30°C até 35°C, seguido de aquecimento lento até uma temperatura suficiente para atingir o refluxo do solvente utilizado. No momento em que o refluxo do solvente ocorre 60 g de trietanolamina em 50 ml de acetato de etila são adicionados vagarosamente por uma hora. Sequencialmente, o processo de refluxo é mantido por 30 minutos, sucedido pelo resfriamento da solução e agitação por uma hora a 30°C, resultando, após filtração, lavagem e secagem em cristais da forma II de lamivudina.
[0028] Ainda, a publicação internacional WO 2007/119248 apresenta uma nova forma cristalina de lamivudina, a Forma III, a qual também pode ser utilizada como ingrediente farmacêutico ativo em formulações sólidas. Ela é caracterizada por cristalizar no sistema cristalino monoclínico, grupo espacial não-centrossimétrico P21, com duas moléculas de lamivudina e uma molécula de água por cela unitária cristalográfica, onde duas moléculas de água estão interagindo com quatro moléculas de lamivudina por meio de ligações de hidrogênio clássicas. Desta forma, existe uma molécula de lamivudina para cada meia molécula água, constituindo esta a unidade cristalográfica assimétrica deste hemidrato de lamivudina. Os cristais da forma III podem ser preparados de duas maneiras: 1) dissolvendo lamivudina em água a 45°C, seguido por resfriamento lento da solução sob agitação, isolamento do material cristalino da solução matriz e, optativamente, lavagem com solvente orgânico e secagem; 2) agitando cristais da forma I ou da forma II em água a 20-45°C, seguido por resfriamento lento da solução sob agitação, isolamento do material cristalino da solução matriz e, optativamente, lavagem com solvente orgânico e secagem.
[0029] A publicação internacional WO 2007/119248 reivindica uma forma I com propriedades de fluxo e densidade de partículas inferiores às anteriormente pleiteadas. Assim, propondo uma solução para os sérios problemas quanto ao manejo do insumo durante a formulação farmacêutica. Contudo, é sabido que esta forma é instável, consistindo em um obstáculo para a padronização e controle de qualidade dos produtos acabados e até mesmo da matéria-prima contendo a respectiva forma. Por outro lado, a forma II, aquela que é termodinamicamente estável, e a forma III possuem melhores propriedades de produção e de dissolução, tornando viável o uso destas para a composição de formas sólidas.
[0030] Assim, objetiva-se a apresentação de uma nova forma cristalina de lamivudina que possa prestar como um insumo farmacêutico para o uso em formulações destinadas ao tratamento da infecção por HIV, e que seja vantajosa devido às propriedades de dissolução e de manipulação melhoradas em comparação com as formas cristalinas de lamivudina previamente reportadas, a saber, a Forma I, um 0,2-hidrato, a Forma II desidratada, a Forma III, um hemidrato, e o sacarinato de lamivudina.
[0031] Em suma, existe a necessidade de uma nova forma cristalina de lamivudina que possa ser satisfatoriamente utilizada para o preparo, em larga escala, de formulações farmacêuticas destinadas ao tratamento da infecção pelo HIV. Essa putativa forma cristalina de lamivudina, caso venha a ser desenvolvida, deve ser detentora de características técnicas aperfeiçoadas, como, por exemplo, propriedades de estado sólido, solubilidade em meios biológicos e, consequentemente, biodisponibilidade, vantajosas em comparação com as formas já conhecidas.
[0032] Nucleotídeos naturais formam estruturas secundárias onde ligações fosfodiéster entre um grupo fosfato e hidroxilas nas posições 3’ e 5’ do anel da pentose unem covalentemente as unidades sucessivas, ao longo de uma dada direção, comumente indexada como 5’^3’. Estas fitas podem estar conectadas não covalentemente através de ligações de hidrogênio entre resíduos pirimidínicos e purínicos. Desta forma, estruturas com mais de uma fita são encontradas, sendo as fitas duplas as mais comuns, as quais são estabilizadas por ligações de hidrogênio entre um resíduo pirimidínico e outro purínico, contatos estes referidos como pareamentos de Watson-Crick. Nesses casos, um resíduo purínico de adenilato sempre estará realizando duas ligações de hidrogênio com um resíduo pirimidínico de timidilato, no caso dos ácidos desoxirribonucleicos, ou de uridilato, no caso dos ácidos ribonucleicos, enquanto que um resíduo purínico de guanilato estará ligado fortemente a um resíduo pirimidínico de citidilato por meio de três ligações de hidrogênio clássicas. Todavia, pareamentos diferentes daqueles descritos por James Watson e Francis Crick também ocorrem, como os tetraplex de guanosina, pareamentos “wobble” e Hoogsteen. Pareamentos Hoogsteen são encontrados principalmente em triplas fitas de DNA, uma vez um resíduo de guanilato, já pareado com um resíduo de citidilato através de ligações de hidrogênio clássicas descritas por Watson e Crick, se liga a outro resíduo de citidilato, porém, protonado. Várias invenções recentes relatam o uso de fitas multiméricas de ácidos nucleicos.
[0033] Mais precisamente, na maioria dessas invenções, são expostas as potencialidades das fitas de ácidos nucleicos serem empregadas como potenciais fármacos para o tratamento de patologias que se desenvolvem mediante a expressão desordenada de determinados genes.
[0034] A patente americana US 5.928.863 descreve a atividade de tríplices fitas de ácidos nucleicos que controlam a expressão gênica sendo que tal propriedade pode ser explorada para tratar várias doenças, como, por exemplo, câncer de bexiga, onde a expressão desregulada de algumas proteínas o origina, e infecções virais, onde a incorporação de material genético viral no genoma das células hospedeiras leva à expressão de proteínas patogênicas.
[0035] Já a publicação internacional WO 2008/109509 mostra que certo RNA com pelo menos três fitas pareadas pode ser utilizado para reduzir a expressão de uma proteína pré-sináptica, a a- sinucleína, e, portanto, é um potencial fármaco para combater e prevenir doenças neurodegenerativas, como o Mal de Alzheimer e, principalmente, a doença de Parkinson, onde essa proteína está diretamente associada com a manifestação da patologia.
[0036] Fitas de nucleotídeos apresentam potenciais aplicações terapêuticas. Também são amplamente investigadas dos pontos de vista estrutural e funcional devido às suas relevâncias biológicas. Mas, não existem relatos de estruturas secundárias de nucleosídeos similares àquelas dos ácidos nucleicos, estes, compostos por nucleotídeos.
[0037] Diante de todo o exposto, a Depositante desenvolveu um método de obtenção de uma estrutura supramolecular de lamivudina, composições farmacêuticas estáveis apresentando propriedades farmacotécnicas e biodisponibilidade aprimorada.
DESCRIÇÃO DAS FIGURAS
[0038] A figura 1 mostra as morfologias da dupla fita de lamivudina (forma supramolecular), sendo, (1A) um cristal da forma II de lamivudina mostrado com sua morfologia característica de bipirâmide quadrangular e (1B) são expostos cristais da dupla hélice de lamivudina, imagens capturadas em um microscópio eletrônico de varredura LEO 435 VP a 15 kV. As barras remetem 100 μm.
[0039] A figura 2 demonstra o padrão teórico de difração de raios-X da estrutura cristalina da dupla hélice de lamivudina determinada à baixa temperatura (2A) e o difratograma de raios-X experimental da amostra da dupla hélice de lamivudina (2B).
[0040] A figura 3 apresenta as oito moléculas conformacionalmente diferentes de lamivudina presentes na dupla hélice preparada com o programa ORTEP-3 (FARRUGIA, ORTEP-3 for Windows - a version of ORTEP-III with a Graphical User Interface (GUI). J Appl Crystallogr., vol. 30, p. 565, 1997). A rotulagem arbitrária de todos os átomos não-hidrogenoides é apresentada, assim como os rótulos dos átomos de hidrogênio metilênico desordenados do braço hidroximetila, rótulos estes também arbitrariamente atribuídos. Os elipsoides térmicos a uma probabilidade de 30% e esferas de raio arbitrário representam os átomos não-hidrogenoides e hidrogenoides, respectivamente. Elipsoides térmicos representados com linhas parcialmente pontilhadas aludem às frações dos átomos não hidrogenoides desordenados em sítios posicionais com valores de ocupação inferiores àqueles dos outros sítios acomodando as frações majoritárias dos respectivos átomos. Ligações entre os átomos dentro de partes desordenadas são representadas por linhas não-preenchidas.
[0041] A figura 4 representa as outras espécies moleculares, ácido maleico e isopropanol, que constituem a dupla hélice preparada com o programa ORTEP-3 (FARRUGIA, ORTEP-3 for Windows - a version of ORTEP-III with a Graphical User Interface (GUI). J Appl Crystallogr., vol. 30, p. 565, 1997). A rotulagem arbitrária de todos os átomos não- hidrogenoides foi mostrada. Os elipsoides térmicos a uma probabilidade de 30% e esferas de raio arbitrário representam os átomos não- hidrogenoides e hidrogenoides, respectivamente. Duas linhas pontilhadas representam ligações de hidrogênio intramoleculares ocorrendo dentro das unidades de ácido maleico parcialmente ionizadas. No caso do solvente isopropanol, seis sítios de ocupação 50% foram refinados para os três átomos de hidrogênio de cada grupo metila.
[0042] A figura 5 mostra a unidade assimétrica cristalográfica da dupla hélice de lamivudina preparada com o programa MERCURY (BRUNO et al., New software for searching the Cambridge Structural Database and visualizing crystal structures. Acta Crystallogr. Sect. B, vol. 58, p. 389-397, 2002). Os rótulos dos átomos de oxigênio das moléculas de água e dos ânions cloreto são mostrados, e estes átomos e ânions são representados pelos respectivos elipsoides térmicos a uma probabilidade de 30%. As linhas pontilhadas representam ligações de hidrogênio.
[0043] A figura 6 apresenta a dupla hélice de lamivudina preparada com o programa PyMOL (DeLANO, The PyMOL Molecular Graphics System, DeLano Scientific, San Carlos, CA, USA, 2002). Nesta figura, somente as moléculas de lamivudina são exibidas, e todos os átomos de hidrogênio foram omitidos visando uma maior clareza da representação estrutural.
DESCRIÇÃO DA INVENÇÃO
[0044] A presente invenção destina-se ao método de obtenção de uma estrutura supramolecular de lamivudina, forma VII, e composições farmacêuticas contendo a dita estrutura de dupla hélice monomérica estabilizada por solventes e agentes de co-cristalização. Adicionalmente, o presente pedido trata do uso dessa forma supramolecular de lamivudina no preparo de medicamentos indicados como agente anti-HIV (síndrome da imunodeficiência adquirida - SIDA).
[0045] Em uma primeira realização, o presente pedido refere- se ao método de obtenção de uma estrutura supramolecular de lamivudina através das etapas (a) dissolução de cerca de 1 a 20mg de lamivudina em 0,5 a 50 ml de álcool isopropílico, em temperaturas de 35°C a 60°C sob agitação por 5 a 15 minutos, (b) resfriamento da solução até temperatura de 20°C a 28°C, (c) paralelamente à preparação da solução de lamivudina em isopropanol, dissolução de 0,5 a 10 mg de solução de ácido maleico em 1 a 100 ml de uma solução aquosa de ácido clorídrico com concentrações de 0,05 a 5% m/vol, (d) mistura de cerca de 50 a 1000 μl da solução ácida com a solução previamente preparada de lamivudina em isopropanol, mantendo agitação por 2 a 15 minutos e (e) repouso em temperaturas de 20°C a 35°C até que cristais prismáticos possam ser obtidos depois da evaporação total do solvente.
[0046] A lamivudina utilização no método de obtenção forma supramolecular, da presente invenção, refere-se à forma II do ingrediente ativo.
[0047] Em uma segunda realização, a presente invenção provê uma estrutura supramolecular, dupla hélice monomérica, onde as moléculas de lamivudina exibem oito diferentes conformações dentro da estrutura da dupla hélice. Esses confôrmeros de lamivudina formam pares de bases por meio de três ligações de hidrogênio, os quais são empilhados ao longo do eixo principal da dupla hélice.
[0048] De forma geral, a unidade assimétrica cristalográfica do complexo supramolecular forma-se por oito moléculas conformacionalmente distintas de lamivudina arranjadas em quatro pares de bases originando uma meia-volta da dupla hélice juntamente com solventes orgânicos, inorgânicos e agentes de co-cristalização.
[0049] Os solventes orgânicos e inorgânicos utilizados na presente invenção referem-se a água, cloreto e alcoóis, preferencialmente, isopropanol.
[0050] Os solventes se ancoram às extremidades das fitas que compõe a dupla hélice e aos sulcos formados pela espiralização.
[0051] Os agentes de co-cristalização aplicados no presente pedido são os ácidos dicarboxílicos, preferencialmente, ácido maleico.
[0052] Particularmente, duas unidades de ácido maleico, ambas com somente um dos grupos carboxílicos ionizados, e uma molécula de isopropanol são encontradas na unidade assimétrica da dupla hélice de lamivudina, além de quatro moléculas de água e dois ânions cloreto.
[0053] As duas moléculas de ácido maleico parcialmente ionizadas foram rotuladas de ácido maleico A e B, participando de ligações de hidrogênio que contribuem para a estabilização da dupla hélice de lamivudina. A molécula de ácido maleico A exerce um papel fundamental na estabilização de três duplas hélices de lamivudina dentro da rede cristalina, pelo fato dela atuar como receptora de hidrogênio em cinco ligações de hidrogênio com confôrmeros de lamivudina pertencentes a três duplas hélices distintas, além de receber também hidrogênio de uma molécula de água em outra ligação de hidrogênio importante para manutenção da estrutura supramolecular.
[0054] Por outro lado, a molécula de ácido maleico B e o solvente isopropanol exibem padrões de ligações de hidrogênio mais discretos em comparação com a molécula de ácido maleico A, uma vez que o isopropanol participa de uma única ligação de hidrogênio como doador de hidrogênio para a molécula de ácido maleico B, esta última, por sua vez, é também receptora de hidrogênio de uma molécula de lamivudina, totalizando, portanto, participação em duas ligações de hidrogênio dentro da rede cristalina da dupla hélice de lamivudina.
[0055] As quatro moléculas de água, juntas, estão envolvidas em doze ligações de hidrogênio, participando ora como doadoras de hidrogênio para confôrmeros de lamivudina pertencentes a três duplas hélices diferentes, para os ânions cloreto e para a molécula de ácido maleico A, ora como receptoras de hidrogênio de unidades de lamivudina inseridas dentro das mesmas três duplas hélices que também aceitam hidrogênios das moléculas de água.
[0056] Os dois ânions cloreto estão envolvidos em oito ligações de hidrogênio, onde eles aceitam hidrogênios de unidades de lamivudina de duas duplas hélices adjacentes e de três das quatro moléculas de água.
[0057] A dupla hélice do presente pedido apresenta uma lamivudina protonada pareada com outra espécie não-protonada, através de ligações de hidrogênio.
[0058] Duas dessas três ligações de hidrogênio são periféricas e envolvem os grupos amino e carbonílico de cada um dos confôrmeros do par. A outra ligação de hidrogênio é central e envolve o grupo imino protonado de uma das duas moléculas do par e o grupo imino não- protonado da outra molécula.
[0059] Quatro pares de bases originam uma meia-volta da dupla hélice. Ainda, existem duas moléculas de ácido maleico parcialmente ionizadas, uma molécula de isopropanol, quatro moléculas de água e dois ânions cloreto para cada meia-volta da dupla hélice formada pelos oito confôrmeros de lamivudina.
[0060] Uma volta completa da dupla hélice de lamivudina origina-se a partir da aplicação da operação de simetria pertinente ao grupo espacial no qual a estrutura supramolecular de lamivudina cristaliza, uma roto-translação de ordem 21, à unidade assimétrica. Desta forma, cada volta da hélice apresenta oito pares de lamivudina, medindo aproximadamente 26 Â, com uma separação de aproximadamente 3,25 Â entre os planos médios atravessando os pares de bases adjacentes. Particularmente, a dupla hélice encontra-se orientada à esquerda.
[0061] Assim, os confôrmeros de lamivudina da presente invenção formam quatro pares de bases que são empilhados ao longo do eixo principal da dupla hélice. As moléculas de lamivudina estão conectadas dentro dos pares de bases, formados pelas moléculas A e B, C e D, E e F, G e H, por meio de três ligações de hidrogênio onde átomos do núcleo pirimidínico atuam como doadores e receptores. Duas destas três ligações de hidrogênio são periféricas e envolvem os grupos amino e carbonílico de cada um dos confôrmeros do par, como grupos doadores e receptores de hidrogênio, respectivamente. A outra ligação de hidrogênio é central e envolve o grupo imino protonado de uma das duas moléculas do par e o grupo imino não-protonado da outra molécula. Desta forma, quatro dos oito confôrmeros de lamivudina estão protonados, mais especificamente, as moléculas A, D, E e H, e quatro não são protonados, aqueles rotulados de molécula B, C, F e G. Dois dos quatro prótons ligados às moléculas de lamivudina foram provenientes da ionização parcial das duas unidades de ácido maleico, e os outros dois têm como contra-íon os dois ânions cloreto existentes na estrutura da dupla hélice de lamivudina. Portanto, cada uma das duas fitas constituintes da dupla hélice é composta por unidades protonadas e não-protonadas de lamivudina que se alternam rigorosamente, e estas fitas, então, tornam- se complementares através da interação entre um resíduo protonado de uma fita e um resíduo não-protonado da outra.
[0062] O complexo supramolecular do presente pedido apresenta em uma rede monoclínica com os seguintes parâmetros de cela unitária cristalográfica: a = 14,2810(4) Â; b = 26,0370(4) Â; c = 15,1970(4) Â; α = 90,00°; β = 117,413(1)° e y = 90,00°, à temperatura ambiente, e a = 14,2219(2) Â; b = 25,6079(3) Â; c = 15,1754(2) Â; α = 90,00°; β = 117,4652(5)° e y = 90,00°, à baixa temperatura.
[0063] As reflexões de Bragg que caracterizam o padrão de difração de raios-X de pó da estrutura da dupla hélice de lamivudina dessa invenção são detectadas nas seguintes posições em 2θ: 6,559/6,898/6,999/7,048/7,412/7,804/7,848/9,524/9,833/9,868/11 ,604/11,692/12,109/12,193/12,267/12,438/12,509/12,537/12,911/ 13,140/13,512/13,588/13,821/14,025/14,122/14,236/14,447/14,54 1/14,855/15,313/15,508/15,530/15,577/15,642/15,645/15,732/16, 211/16,758/17,465/17,543/17,545/17,643/17,886/17,981/18,055/1 8,084/18,140/18,207/18,387/18,520/18,536/18,635/18,683/18,701 /18,872/18,963/18,966/19,021/19,115/19,283/19,336/19,348/19,4 90/19,740/19,764/19,810/20,069/20,204/20,255/20,414/20,499/20 ,796/20,857/20,882/20,931/20,956/20,989/21,104/21,251/21,364/ 21,390/21,535/21,655/21,703/21,786/21,828/21,967/21,983/22,22 8/22,339/22,361/22,368/22,401/22,403/22,480/22,809/22,930/23, 330/23,508/23,544/23,560/23,588/23,590/23,693/23,767/23,878/2 3,892/23,921/23,994/24,147/24,198/24,247/24,303/24,356/24,527 /24,678/24,737/24,807/24,896/24,898/24,994/25,026/25,107/25,1 08/25,144/25,171/25,206/25,218/25,227/25,270/25,315/25,328/25 ,342/25,351/25,439/25,584/25,748/25,780/25,821/25,844/25,866/ 25,952/25,989/26,068/26,081/26,100/26,188/26,194/26,382/26,45 6/26,688/26,780/26,884/27,015/27,030/27,054/27,148/27,217/27, 224/27,336/27,371/27,373/27,395/27,400/27,416/27,531/27,673/2 7,705/27,731/27,775/27,793/27,849/27,908/28,009/28,174/28,224 /28,266/28,290/28,327/28,465/28,480/28,484/28,586/28,642/28,6 81/28,698/28,750/28,762/28,770/28,843/29,130/29,191/29,235/29 ,323/29,336/29,421/29,427/29,446/29,517/29,638/29,649/29,733/ 29,762/29,798/29,905/29,966/29,971/30,011/30,073/30,139/30,17 7/30,198/30,218/30,261/30,261/30,296/30,365/30,448/30,452/30, 479/30,541/30,557/30,585/30,588/30,604/30,653/30,656/30,760/3 0,830/30,907/31,015/31,049/31,092/31,261/31,269/31,274/31,310 /31,355/31,360/31,363/31,451/31,524/31,578/31,586/31,591/31,5 92/31,634/31,771/31,775/31,785/31,827/31,831/31,879/31,957/31 ,957/32,127/32,152/32,224/32,225/32,236/32,246/32,345/32,361/ 32,408/32,416/32,418/32,470/32,507/32,646/32,658/32,732/32,75 7/32,822/32,928/32,951/32,993/33,090/33,106/33,118/33,160/33, 178/33,242/33,280/33,317/33,330/33,371/33,390/33,401/33,430/3 3,476/33,487/33,502/33,582/33,594/33,626/33,678/33,683/33,843 /33,888/33,907/33,913/33,934/33,944/33,946/33,991/34,073/34,1 69/34,184/34,337/34,347/34,384/34,420/34,553/34,594/34,607/34 ,616/34,629/34,668/34,763/34,846/34,907/34,966/35,012/35,077/ 35,170/35,204/35,213/35,231/35,296/35,310/35,325/35,352/35,48 9/35,515/35,519/35,542/35,585/35,660/35,697/35,720/35,722/35, 749/35,760/35,762/35,776/35,795/35,857/35,865/5,899/35,972/36 ,016/36,021/36,150/36,156/36,206/36,226/36,227/36,235/36,250/ 36,256/36,276/36,291/36,309/36,426/36,469/36,498/36,549/36,56 3/36,579/36,588/36,638/36,752/36,757/36,795/36,800/36,894/36, 894/36,953/36,983/37,004/37,014/37,034/37,067/37,082/37,095/3 7,117/37,158/37,165/37,184/37,252/37,269/37,290/37,291/37,292 /37,355/37,361/37,391/37,428/37,462/37,547/37,574/37,580/37,6 19/37,699/37,709/37,774/37,787/37,843/37,865/37,887/37,926/37 ,930/37,970/38,086/38,098/38,114/38,117/38,155/38,162/38,241/ 38,282/38,304/38,344/38,356/38,376/38,422/38,432/38,437/38,47 2/38,479/38,528/38,541/38,593/38,599/38,645/38,664/38,702/38, 758/38,789/38,793/38,805/38,990/39,141/39,201/39,242/39,253/3 9,267/39,278/39,324/39,333/39,342/39,365/39,407/39,420/39,423 /39,426/39,466/39,497/39,527/39,537/39,575/39,575/39,608/39,6 65/39,690/39,739/39,764/39,785/39,824/39,848/39,850/39,853/39 ,914/39,948/39,949/39,955/40,015/40,065/40,098/40,116/40,143/ 40,149/40,174/40,198/40,245/40,248/40,294/40,310/40,358/40,41 7/40,484/40,494/40,511/40,525/40,556/40,577/40,577/40,630/40, 655/40,730/40,751/40,773/40,788/40,816/40,836/40,961/40,971/4 0,988/41,018/41,052/41,072/41,114/41,180/41,212/41,240/41,283 /41,304/41,320/41,332/41,333/41,340/41,351/41,381/41,400/41,4 84/41,489/41,516/41,523/41,536/41,573/41,576/41,609/41,623/41 ,626/41,693/41,735/41,757/41,758/41,782/41,815/41,836/41,880/ 41,956/41,968/42,035/42,066/42,087/42,233/42,241/42,247/42,29 8/42,319/42,387/42,448/42,451/42,473/42,498/42,501/42,578/42, 599/42,605/42,642/42,658/42,702/42,704/42,726/42,727/42,734/4 2,762/42,778/42,833/42,846/42,873/42,893/42,893/42,901/42,910 /42,913/42,950/42,958/42,963/42,970/42,983/43,012/43,033/43,0 78/43,101/43,122/43,140/43,260/43,281/43,334/43,386/43,412/43 ,432/43,441/43,441/43,444/43,461/43,510/43,519/43,530/43,566/ 43,569/43,575/43,581/43,603/43,646/43,653/43,666/43,681/43,69 0/43,744/43,770/43,781/43,785/43,821/43,840/43,882/43,900/44, 000/44,018/44,027/44,031/44,056/44,063/44,074/44,089/44,095/4 4,136/44,199/44,222/44,238/44,238/44,266/44,280/44,288/44,309 /44,318/44,322/44,348/44,394/44,409/44,414/44,442/44,502/44,5 06/44,518/44,625/44,646/44,667/44,667/44,678/44,682/44,708/44 ,725/44,783/44,791/44,814/44,831/44,872/44,925/45,017/45,025/ 45,075/45,118/45,142/45,184/45,254/45,312/45,351/45,392/45,39 9/45,415/45,423/45,522/45,555/45,566/45,590/45,622/45,632/45, 636/45,649/45,666/45,680/45,722/45,725/45,731/45,744/45,778/4 5,811/45,822/45,839/45,877/45,889/45,946/45,958/45,979/45,983 /46,003/46,019/46,036/46,039/46,042/46,138/46,141/46,150/46,1 82/46,238/46,243/46,273/46,357/46,369/46,387/46,410/46,414/46 ,422/46,425/46,521/46,531/46,558/46,590/46,595/46,597/46,630/ 46,638/46,643/46,645/46,666/46,706/46,755/46,767/46,780/46,78 8/46,849/46,940/46,957/46,973/46,980/47,034/47,036/47,072/47, 077/47,087/47,117/47,126/47,142/47,175/47,204/47,213/47,325/4 7,354/47,392/47,445/47,492/47,535/47,584/47,598/47,645/47,669 /47,672/47,685/47,700/47,726/47,753/47,776/47,803/47,812/47,8 24/47,844/47,859/47,868/47,879/47,898/47,916/47,942/47,975/48 ,038/48,086/48,108/48,127/48,138/48,156/48,177/48,189/48,198/ 48,225/48,243/48,258/48,263/48,286/48,296/48,317/48,354/48,36 7/48,399/48,472/48,482/48,506/48,531/48,564/48,593/48,641/48, 689/48,768/48,790/48,823/48,842/48,857/48,879/48,886/48,910/4 8,921/48,941/48,954/48,970/48,979/49,014/49,042/49,129/49,177 /49,182/49,195/49,209/49,220/49,232/49,261/49,271/49,281/49,3 07/49,325/49,350/49,384/49,408/49,434/49,450/49,458/49,525/49 ,535/49,568/49,609/49,636/49,674/49,687/49,725/49,755/49,795/ 49,809/49,816/49,840/49,877/49,902/49,909/49,932/49,978/49,98 1 ± 0,1°.
[0064] As moléculas de lamivudina com conformações distintas compõem a dupla hélice deste derivado de nucleosídeo inibidor de transcriptase reversa. Tais confôrmeros de lamivudina foram rotulados de moléculas A-H. Todas as oito moléculas apresentam o anel didesoxirribose modificado em uma conformação envelope, onde o átomo no ponto de inflexão (átomo mais deslocado do plano mais bem ajustado sobre os outros quatro átomos do anel de cinco membros) pode ser o átomo de enxofre S1 (moléculas A, E-H) e/ou o átomo de carbono C7 do grupo metileno (moléculas B-D).
[0065] Nos oito confôrmeros, o plano do anel pirimidínico está praticamente paralelo à ligação C5-O2 e perpendicular à ligação C5-C7, embora variações significativas sejam reportadas para os valores de torções envolvendo os átomos da ligação conectando os anéis de pirimidina e de ribose modificado. Em todas as moléculas, o grupo carbonílico C1=O1 está trans-orientado em relação ao anel de cinco membros.
[0066] Apesar das similaridades entre os confôrmeros da dupla hélice de lamivudina, a conformação do anel derivado da ribose e a orientação do grupo hidroxílico permitem a caracterização diferencial de cada uma das oito moléculas.
[0067] A molécula A apresenta átomos desordenados no anel ribosídico modificado, sendo que duas conformações podem ser descritas para esta porção cíclica, conformações estas com o átomo de enxofre exibindo orientações cis e trans com respeito ao anel pirimidínico, em relação ao plano formado pelos outros quatro átomos do anel de cinco membros em cada uma das duas conformações (planos formados pelos átomos C6a, O2a, C5a e pela fração C7a, no caso da fração S1a cis- orientada do átomo de enxofre, e C6a, O2a, C5a e pela fração C7a’, no caso da fração S1a’ trans-orientada do átomo de enxofre). O átomo de oxigênio O3a da porção hidroximetila pode estar situado em uma das duas posições equatoriais existentes para os átomos ligados ao átomo de carbono C8a, estando cis-orientado em relação ao átomo de oxigênio O2a do anel didesoxirribose modificado. Ainda referindo-se a molécula A, a posição axial para os ligantes do átomo de carbono C8a está ocupada por um átomo de hidrogênio, o hidrogênio H8a2, o qual está trans-orientado com respeito ao anel pirimidínico.
[0068] A molécula B de lamivudina apresenta o anel de cinco membros em uma única conformação envelope, assim como os confôrmeros C-H, os quais serão pormenorizados estruturalmente na sequência. O átomo de carbono C7b está no ponto de inflexão do anel assumindo uma conformação envelope, e está cis-orientado com respeito ao anel pirimidínico. Já o seu átomo de oxigênio da porção hidroximetila está desordenado e ocupa dois sítios posicionais. Um deles está em uma das posições equatoriais existentes para os átomos ligados ao átomo de carbono C8b, sítio este ocupado pela fração O3b’ cis-orientada em relação ao átomo de enxofre S1b do anel didesoxirribose modificado. O outro sítio do átomo de oxigênio hidroxílico da molécula B de lamivudina está na posição axial para os ligantes do átomo de carbono C8b, sendo ocupado pela fração O3b cis-orientada em relação ao anel pirimidínico.
[0069] A molécula C de lamivudina exibe o átomo de carbono metilênico do anel didesoxirribose modificado, rotulado de C7c, no ponto de inflexão da porção cíclica assumindo a conformação envelope, similarmente à molécula B, e, da mesma forma que ocorre neste confôrmero, o átomo no ponto de inflexão está cis-orientado com respeito ao anel pirimidínico da molécula C. O átomo de oxigênio do grupo hidroximetila, rotulado de O3c, está situado em uma das duas posições equatoriais existentes para os átomos ligados ao átomo de carbono C8c, estando cis-orientado em relação ao átomo de oxigênio O2c do anel didesoxirribose modificado, assim como na molécula A de lamivudina. Todavia, o átomo de hidrogênio na posição axial, o hidrogênio H8c1, está cis-orientado com respeito ao anel pirimidínico, diferentemente da molécula A de lamivudina.
[0070] A molécula D de lamivudina também apresenta o átomo de carbono metilênico, rotulado de C7d, no ponto de inflexão do anel didesoxirribose adotando uma conformação envelope, e ele também está cis-orientado com respeito ao anel pirimidínico. O átomo de oxigênio da porção hidroximetila está desordenado e ocupa dois sítios posicionais localizados nas duas posições equatoriais existentes para os átomos ligados ao átomo de carbono C8d, enquanto que o átomo de hidrogênio metilênico na posição axial, o hidrogênio H8d2, está cis-orientado em relação ao anel pirimidínico.
[0071] A molécula E de lamivudina da dupla hélice, por sua vez, apresenta o átomo de enxofre S1e no ponto de inflexão do anel didesoxirribose em conformação envelope, o qual está cis-orientado em relação ao anel pirimidínico. O átomo de oxigênio hidroxílico também está desordenado nesta molécula, ocupando dois sítios posicionais. Um deles está em uma das posições equatoriais existentes para os átomos ligados ao átomo de carbono C8e, sítio este ocupado pela fração O3e cis- orientada em relação ao átomo de enxofre S1e do anel de cinco membros. O outro sítio do átomo de oxigênio hidroxílico da molécula E está na posição axial, estando ocupado pela fração O3e’ cis-orientada em relação ao anel pirimidínico.
[0072] A estrutura da molécula F de lamivudina remete àquela da molécula E. Entretanto, algumas diferenças entre as moléculas E e F são evidentes, como, por exemplo, o átomo de nitrogênio imínico do núcleo pirimidínico da molécula F não está protonado, enquanto que no outro confôrmero este átomo está carregado positivamente devido à protonação. Além desta característica distinguindo estas moléculas, outras observações confirmam a dissimilaridade entre os confôrmeros em questão, como a coplanaridade dos átomos formadores da região planar do anel didesoxirribose em conformação envelope, a orientação da fração do átomo de hidrogênio hidroxílico ligado à fração do átomo de oxigênio situado na posição axial e os valores de ocupação dos dois sítios posicionais dos grupos hidroxílicos desordenados. Os átomos de enxofre S1g e S1h estão nos pontos de inflexão dos anéis didesoxirribose em conformação envelope das moléculas G e H, respectivamente.
[0073] Outra característica estrutural igual entre as moléculas G e H é a orientação cis, em relação ao núcleo pirimidínico, do átomo situado na posição axial da ligação covalente ao átomo de carbono metilênico do grupo hidroximetila. Todavia, na posição axial da molécula G há o átomo de oxigênio hidroxílico O3g, enquanto que na referida posição da molécula H há um dos átomos de hidrogênio metilênico e, nesta molécula, o átomo de oxigênio hidroxílico O3h está situado em uma das duas posições equatoriais existentes para os átomos ligados ao átomo de carbono C8h, oxigênio este que está trans-orientado em relação ao átomo de oxigênio O2h do anel didesoxirribose modificado.
[0074] Em uma terceira realização, a presente invenção trata de formulações farmacêuticas contendo a estrutura supramolecular de lamivudina (fita dupla-hélice), sendo que, tais formas farmacêuticas podem ser apresentar em formas sólidas, como pós, granulados, cápsulas, comprimidos, tabletes, comprimidos revestidos e drágeas, opcionalmente, associados a veículos farmaceuticamente aceitáveis.
[0075] Em uma quarta realização, o pedido de patente destina-se ao uso da forma supramolecular (fita dupla-hélice) de lamivudina, no preparo de medicamentos indicados como agente antiHIV (síndrome da imunodeficiência adquirida - SIDA).
[0076] Em adição, a presente invenção apresenta uma estrutura cristalina de lamivudina que mimetiza fidedignamente estruturas de nucleotídeos de ácidos nucleicos, os quais são os substratos da enzima transcriptase reversa do vírus HIV-1. Uma vez que tal enzima também é o alvo macromolecular de lamivudina, aproximações sobre o mecanismo de resistência do HIV-1 poderão ser feitas. Por fim, a otimização em larga escala de um processo que, de antemão, é facilmente executável, não leva tempo demasiado, é robusto e rentável, destinará esta nova forma sólida de lamivudina para a produção de formulações de formas sólidas úteis ao tratamento da AIDS, contendo unicamente lamivudina como ingrediente ativo ou em combinação com outros fármacos.
[0077] Por fim, o processo de preparação da nova forma de lamivudina, da presente invenção, foi desenvolvido em poucas etapas, não requerendo muito tempo e não envolvendo solventes nocivos à saúde humana e ao ambiente, bem como, necessitando de instrumentação laboratorial trivial, sem a necessidade de materiais sofisticados. Desta forma, rapidez, simplicidade, economia, robustez e viabilidade ambiental são alguns dos atributos do processo de síntese da dupla hélice de lamivudina.
EXEMPLO
SÍNTESE DA DUPLA HÉLICE DE LAMIVUDINA
[0078] Uma quantidade de lamivudina cerca de 10 mg foi dissolvida em álcool isopropílico (5 ml), em 35°C, agitando-se a mistura por 5 minutos. Em seguida, a solução recém preparada foi então resfriada até 25°C. Paralelamente à preparação da solução de lamivudina em isopropanol, uma solução de ácido maleico também foi processada através da dissolução de 4 mg desse ácido orgânico em 1 ml de uma solução aquosa de ácido clorídrico com concentração de 1% m/vol. Posteriormente, 250 μl da solução ácida foi transferida para o recipiente contendo a solução previamente preparada de lamivudina em isopropanol, mantendo agitação por 5 minutos. Por fim, essa mistura foi guardada sob repouso a uma temperatura de 25°C até que cristais prismáticos fossem obtidos depois da evaporação total do solvente.
[0079] Para o preparo da solução inicial de lamivudina em isopropanol, a qual é utilizada no processo de síntese da dupla hélice de lamivudina, uma amostra da Forma II desse fármaco foi utilizada. Tal amostra foi caracterizada anteriormente à dissolução em isopropanol por meio das técnicas de difração de raios-X de pó e de monocristal.
[0080] Confirmou-se que se tratava de um sólido cristalino, monofásico, referente à Forma II de lamivudina, pois tanto o padrão de difração de raios-X de pó dessa amostra quanto os parâmetros de cela unitária cristalográfica obtidos por difração de raios-X de monocristal da mesma remeteram àqueles reportados para a Forma II de lamivudina.
[0081] Laudos de pureza analítica acompanharam esta amostra, sendo atestado um teor de 99,55 ± 0,07 mol% por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) e uma faixa de temperatura de fusão de 175,6 ± 0,3 °C foi estimada por calorimetria diferencial de varredura (CDV).
ANÁLISE POR DIFRAÇÃO DE RAIOS-X DE MONOCRISTAL
[0082] Cristais prismáticos e translúcidos foram obtidos após realização das etapas de síntese da dupla fita de lamivudina. Somente uma morfologia dos cristais foi observada, a qual é exibida na figura 1, micrografias eletrônicas de varredura capturadas em um microscópio eletrônico de varredura LEO 435 VP a 15 kV. À esquerda, um cristal da Forma II de lamivudina é mostrado com sua morfologia característica de bipirâmide quadrangular, e, à direita, são expostos cristais da dupla hélice de lamivudina. As barras indicam 100 μm.
[0083] Um cristal de dimensões 0,477 x 0,208 x 0,179 mm foi usado para o experimento de difração de raios-X de monocristal. As reflexões foram coletadas à temperatura ambiente (298(1)K) e à baixa temperatura (150,0(2) K), e o programa COLLECT (Enraf-Nonius, COLLECT. Nonius BV, Delft, Holanda, 1997-2000) foi usado como interface computacional para o acompanhamento da aquisição dos dados. Para as medidas experimentais, um difratômetro Enraf-Nonius de geometria Kappa, equipado com detector CCD (câmera de 95 mm), foi usado. A radiação foi produzida a 55 kV e 33 mA em um tubo selado de Mo (MoKα = 0,71073 Â), e monocromada por grafite antes de incidir sobre o cristal. Para a medida realizada à baixa temperatura, um instrumento soprador de Nitrogênio (Oxford Cryosystem) permitiu a redução térmica.
[0084] O experimento realizado à temperatura ambiente permitiu a coleta de dados, os quais, após serem devidamente tratados, foram utilizados para o refinamento de uma estrutura que depois de ser resolvida apresentou muitos sítios de ocupação para átomos individuais. Com o abaixamento da temperatura, a desordem foi minimizada e os múltiplos sítios de ocupação de um mesmo átomo foram mais bem discernidos. Portanto, as posições atômicas e parâmetros de deslocamento térmico apresentados nesta invenção são da estrutura determinada à baixa temperatura, mas os parâmetros de cela unitária cristalográfica da estrutura modelada a partir dos dados coletados à temperatura ambiente estão mostrados na tabela 1.
[0085] A coleta de 64288 reflexões de Bragg à temperatura de 150 K foi realizada com uma redundância três, dentro de uma faixa angular em 2θ desde 5,94° até 50,84°. Nesta faixa angular, os índices de Miller variaram de -17 a 17 para h, de -30 a 30 para k e de -18 a 18 para l. Para determinar os parâmetros de cela da estrutura da dupla hélice de lamivudina à temperatura ambiente, 9135 reflexões de Bragg entre 2,91° e 26,02° em θ foram usadas. A completeza em θmax foi 98,6% à temperatura de 150,0(2) K, e, neste caso, todas as reflexões coletadas foram aproveitadas para a determinação dos parâmetros de cela unitária cristalográfica.
[0086] A tabela 1 apresenta os parâmetros da cela unitária cristalográfica da dupla hélice de lamivudina. TABELA 1
[0087] Na tabela 1, nota-se claramente que não há transição de fase cristalina entre as temperaturas de 298 K e 150 K. É importante ressaltar, porém, que os parâmetros de cela unitária cristalográfica a, b e c são encurtados à baixa temperatura (ΔaTemp. = a298k- a 150k = 0,059 Â; Δbemp. = b298k - b 150k = 0,429 Â; ΔCTemp. = C298k- c 150k = 0,022 Â), enquanto que o ângulo β é expandido nessa condição térmica de análise (ΔβTemp. = β150k — β298k= 0,052°).
[0088] As variações dos descritores de cela unitária são resultados de alterações de certas distâncias intermoleculares dentro da estrutura da dupla hélice de lamivudina, de acordo com a temperatura a qual o cristal foi submetido durante a coleta das reflexões.
[0089] Antes da resolução e refinamento da estrutura da dupla hélice de lamivudina, as reflexões foram tratadas usando o pacote de programas HKL Denzo-Scalepack (OTWINOWSKI e MINOR, HKL Denzo and Scalepack. Em: Methods in Enzymology, vol. 276, editado por C.W. Carter Jr. e R.M. Sweet, New York: Academic Press, p. 307-326, 1997), onde operações de integração e correção de escala foram aplicadas sobre todos os dados.
[0090] Duas observações derivam do fato de átomos de enxofre e cloro estarem presentes na estrutura da dupla fita de lamivudina. Primeiro, há necessidade de realizar correção de absorção, até mesmo pelas dimensões pronunciadas do cristal utilizado no experimento. Portanto, durante os refinamentos estruturais, correção de absorção foi aplicada segundo o método Gaussian (COPPENS et al., Calculation of absorption corrections for camera and diffractometer data. Acta Crystallogr., vol. 18, p. 1035-1038, 1965), com valores mínimo e máximo dos fatores de transmissão de 0,884 e 0,964, respectivamente. O coeficiente de absorção da estrutura da dupla fita de lamivudina foi 0,335 mm-1 à baixa temperatura. Segundo, há permissibilidade de determinar a configuração absoluta dentro do cristal, uma vez que a estrutura foi resolvida em um grupo espacial não centrossimétrico. Desta forma, o parâmetro de Flack foi refinado (FLACK, On enantiomorphpolarity estimation. Acta Crystallogr. Sect. A, vol. 39, p. 876-881, 1983), com um valor de 0,05(5) obtido sobre 8686 pares de Friedel. Conforme esperado para o enantiômero lamivudina do composto 4-amino-1-(2- hidroximetil-1,3-oxotiolan-5-il)-(1H)-pirimidina-2-ona, a configuração absoluta determinada para os átomos de carbono C5 e C6, de acordo com a rotulagem dos átomos dados na figura 3 (3a - 3h), foram Se R, respectivamente.
[0091] Os métodos diretos foram utilizados para a aproximação das fases da radiação difratada, perdidas durante o experimento de difração de raios-X de monocristal. Este procedimento foi implementado com o programa computacional SHELXS-97 (SHELDRICK, SHELXS-97. Program for Crystal Structure Resolution. University of Gottingen: Gottingen, Alemanha, 1997), permitindo a localização de todos os átomos não hidrogenoides da cela unitária cristalográfica através de uma construção de Fourier que origina um mapa de distribuição da densidade eletrônica no cristal. A solução inicial foi utilizada como molde da estrutura para os refinamentos posteriores, realizados dentro do programa SHELXL-97 (SHELDRICK, SHELXL-97. Program for Crystal Structures Analysis. University of Gottingen: Gottingen, Alemanha, 1997). O método dos mínimos quadrados de matriz completa foi utilizado para todos os ciclos de refinamentos da estrutura, e as diferenças entre os fatores de estrutura observados e calculados, em F2, foram levadas aos valores mínimos. Após agrupamento das reflexões equivalentes por simetria, 17829 dados independentes (Rint = 0,0952) coletados à temperatura de 150,0(2) K foram disponibilizados para o refinamento de 1367 parâmetros. Com relação aos átomos de hidrogênio, todos foram fixados em posições esperadas, com as seguintes distâncias idealizadas: 0,93 Â para ligação Csp2—H, 0,97 Â para ligação Csp3—H dentro de grupos metilenos sem átomos de hidrogênio desordenados, 0,96 Â para ligação Csp3—H dentro de grupos metilenos e grupos metilas com átomos de hidrogênio desordenados, 0,98 Â para ligação Csp3—H dentro de grupos metinos, 0,82 Â para ligação O—H dentro de grupos hidroxilas e 0,86 Â para ligação N—H dentro de grupos aminos e grupos iminos protonados. Tanto os prótons imínicos de lamivudina quanto os átomos de hidrogênio O-H dos resíduos de lamivudina e de ácido maleico foram primeiramente encontrados no mapa de distribuição da densidade eletrônica, para, então, serem introduzidos estereoquimicamente em posições concordantes com as geometrias das ligações covalentes desses hidrogênios com os respectivos átomos de nitrogênio e oxigênio. Similarmente, os átomos de hidrogênio ligados aos átomos de oxigênio da molécula de água também foram localizados no mapa gerado por análise de Fourier e, depois, fixados nas posições encontradas. Porém, as coordenadas desses átomos foram aquelas dos picos de densidade eletrônica excedentes no mapa de densidade eletrônica referentes aos hidrogênios correspondentes.
[0092] Um modo isotrópico de deslocamento atômico foi considerado para todos os átomos de hidrogênio. Os átomos de hidrogênio tiveram seus parâmetros de deslocamento térmico iguais aos parâmetros isotrópicos equivalentes dos átomos aos quais foram ligados somados de 20% deste valor, no caso de serem ligados a átomos de carbono e nitrogênio, ou 50%, caso os átomos de hidrogênio forem ligados a átomos de oxigênio ou átomos de carbono de grupos metila.
[0093] Sítios desordenados foram encontrados para certos átomos de cinco das oito moléculas independentes de lamivudina na unidade assimétrica cristalográfica. Os rótulos dos átomos de lamivudina foram encerrados com letras que remetem a cada uma das oito moléculas. Mais especificamente, os rótulos terminam com letras minúsculas entre A e H (figura 3a - 3h). Dois sítios fixos de ocupações 60% e 40% foram assumidos para os átomos de oxigênio e de hidrogênio dos grupos hidroxílicos de quatro moléculas de lamivudina (B, D, E, F). Assim, as frações dos átomos dos grupos hidroxila nos sítios de ocupação 60% foram rotuladas O3b-H3b, O3d-H3d, O3e-H3e e O3f-H3f, enquanto que aquelas nos sítios de ocupação 40% foram nomeadas O3b’-H3b’, O3d’-H3d’, O3e’-H3e’ e O3f’-H3f’. Os valores de ocupação foram previamente determinados através de ciclos de refinamento realizados unicamente para estimar a ocupação exata de cada sítio. Neste refinamento, os parâmetros térmicos dos átomos de oxigênio foram adotados como isotrópicos e estes não foram refinados, enquanto que a ocupação de cada sítio foi refinada.
[0094] Após a determinação do valor de ocupação dos múltiplos sítios, tal parâmetro foi fixo conforme estimado para cada sítio e os parâmetros térmicos dos átomos de oxigênio hidroxílicos das moléculas em questão foram refinados como anisotrópicos. Foram esperados também múltiplos sítios de ocupação para os átomos de carbono dos grupos metileno ligados às hidroxilas desordenadas das moléculas B, D, E e F de lamivudina. Todavia, os átomos de carbono destes grupos não revelaram sítios de ocupação adicionais, até mesmo após a execução de ciclos de refinamento onde uma ocupação de 50% foi atribuída ao único sítio encontrado para estes átomos, refinamentos estes realizados com a finalidade exclusiva de evidenciar possíveis sítios extras para tais carbonos. Isto se deve ao fato dos oxigênios dos grupos hidroxílicos desordenados ocuparem dois sítios colocados sobre duas das três posições possíveis de ligação ao átomo de carbono metilênico. Então, apenas está desordenado o átomo de hidrogênio situado na posição estereoquímica para a qual também está direcionado um dos sítios de ocupação do átomo de oxigênio hidroxílico, e, portanto, foram considerados dois sítios de ocupação para tal átomo de hidrogênio, sítios estes com a mesma orientação daqueles do átomo de oxigênio hidroxílico desordenado, com os valores de ocupação de cada sítio em uma dada posição iguais àqueles dos átomos de oxigênio hidroxílicos situados na outra posição.
[0095] As frações dos átomos de hidrogênio nos sítios de ocupação 60% receberam rótulos H8b1, H8d1, H8e1 e H8f1, enquanto que as frações dos correspondentes átomos com os rótulos H8b3, H8d3, H8e3 e H8f3 preencheram os sítios de ocupação 40%. Os átomos de hidrogênio metilênicos não desordenados receberam os rótulos H8b2, H8d2, H8e2 e H8f2 e ficaram em um único sítio de ocupação 100%. Por fim, uma das moléculas de lamivudina, rotulada como a molécula A, também apresentou átomos desordenados. Nesta molécula, porém, os átomos do anel de cinco membros revelaram múltiplos sítios. Foram encontrados dois sítios de ocupação, também com valores de 60% e 40%, para o átomo de enxofre e para o átomo de carbono do grupo metileno ligado a ele. Neste caso, tanto o átomo de carbono metilênico quanto os dois átomos de hidrogênio ligados a ele foram modelados como desordenados. Os rótulos S1a, C7a, H7a1 e H7a2 foram atribuídos às frações dos átomos de enxofre, carbono e dos dois hidrogênios nos sítios de ocupação 60%, e os rótulos S1a’, C7a’, H7a3 e H7a4 aludem às partes dos respectivos átomos nos sítios de ocupação 40%. Os dois grupos metila do solvente isopropanol também foram desordenados, e seis sítios de ocupação 50% foram refinados para os três átomos de hidrogênio de cada grupo metila (H13a-f e H15a-f).
[0096] Após o término do refinamento da estrutura da dupla hélice de lamivudina, a densidade eletrônica residual dentro da cela unitária cristalográfica variou entre -0,677 e 0,781 e.Â-3, e os valores obtidos para os fatores residuais R1(I > 2G(I)), wR2(I > 2o (I)), R1(para todos os dados) e wR2(para todos os dados) foram 0,0588, 0,1517, 0,0789 e 0,1720, respectivamente, e o parâmetro de qualidade do refinamento (S) foi igual a 1,101. ANÁLISE POR DIFRAÇÃO DE RAIOS-X DE PÓ
[0097] Uma amostra da dupla hélice de lamivudina foi caracterizada por análise de difração de raios-X de pó. Primeiramente, a amostra constituída essencialmente de monocristais foi submetida a um processo de trituração para obtenção de uma amostra policristalina com partículas de tamanho reduzido e homogeneizado. A amostra assim obtida foi assentada em uma lâmina de vidro sulcada e exposta ao feixe de raios-X proveniente de um ânodo rotatório de Cu (CuKa,À = 1,54187 Â) embutido em um difratômetro de pó da marca Rigaku Denki de geometria θ-2θ, equipado com detector de cintilação e operando a 50 kV e 100 mA. Um experimento de varredura contínua foi realizado à temperatura ambiente (298(1) K), com as seguintes configurações analíticas: intervalo em 2θ de 5° a 50° passo de 0,02° e velocidade de varredura de 1,000° /min.
[0098] Um procedimento rotineiro após o término dos refinamentos de estruturas determinadas por difração de raios-X de monocristal consiste em gerar um arquivo eletrônico de extensão .cif, o qual armazena todas as informações concernentes à estrutura, como parâmetros de cela unitária cristalográfica, grupo espacial e simetrias existentes na rede cristalina, parâmetros posicionais e vibracionais dos átomos constituintes da unidade assimétrica cristalográfica, detalhes sobre a coleta e tratamento dos dados, entre outros. O arquivo .cif da estrutura cristalina da dupla hélice de lamivudina determinada à baixa temperatura foi utilizado para simulação do padrão teórico de difração de raios-X dentro do programa MERCURY (BRUNO et al., New software for searching the Cambridge Structural Database and visualizing crystal structures. Acta Crystallogr. Sect. B, vol. 58, p. 389-397, 2002), o qual pode ser comparado com o difratograma experimental da amostra da dupla hélice de lamivudina mensurado à temperatura ambiente, desde que não há transição de fase cristalina entre as temperaturas de 298 K e 150 K, conforme citado anteriormente.
[0099] O padrão teórico de difração de raios-X da estrutura cristalina da dupla hélice de lamivudina determinada à baixa temperatura (2A) e o difratograma de raios-X experimental da amostra da dupla hélice de lamivudina (2B) foi descrito na figura 2.
[00100] O resultado da análise de difração de raios-x de pó da amostra da dupla hélice de lamivudina comprovou a identidade da mesma, devido à concordância entre as posições em 2θ havendo reflexões de Bragg tanto no padrão teórico quanto no difratograma experimental.
[00101] O efeito de orientação preferencial dos cristais pode ser constatado, fenômeno este explicado pela morfologia dos cristais da dupla hélice de lamivudina, os quais são mais alongados em uma das direções (direção [010]) como decorrência do crescimento proeminente ao longo do eixo de simetria da rede monoclínica, o qual também é paralelo ao eixo principal das duplas hélices de lamivudina constituintes do cristal. Diante disto, é possível assegurar que o processo de preparação da dupla fita de lamivudina é altamente eficaz, fornecendo uma nova forma cristalina de lamivudina com pureza aumentada.
[00102] A Tabela 2 apresenta um resumo dos principais contatos não covalentes ocorrendo dentro e entre espécies orgânicas e inorgânicas da dupla hélice de lamivudina. Ligações de hidrogênio clássicas existentes na estrutura cristalina da dupla hélice de lamivudina. Interações intermoleculares envolvendo frações de átomos em sítios posicionais com valores de ocupação inferiores àqueles dos sítios ocupados pelas outras frações dos mesmos átomos não são detalhadas. As letras maiúsculas D e A são abreviaturas de grupos doador e receptor de hidrogênio, sendo, os operadores de simetria: a 1 + x, y, z; b - 1 + x, y, - 1 + z; c 1 - x, 0,5 + y, - z; d x, y, 1 + z; e - 1 + x, y, z; f x, y, - 1 + z; g 2 - x, 0,5 + y, - z. TABELA 2
[00103] As outras espécies moleculares, diferentes de lamivudina, que constituem a dupla hélice estão mostradas na figura 4, preparada com o programa ORTEP-3 (FARRUGIA, ORTEP-3 for Windows - a version of ORTEP-III with a Graphical User Interface (GUI). J Appl Crystallogr., vol. 30, p. 565, 1997). Nesta figura, a rotulagem arbitrária de todos os átomos não hidrogenoides foi mostrada. Os elipsoides térmicos a uma probabilidade de 30% e esferas de raio arbitrário representam os átomos não hidrogenoides e hidrogenoides, respectivamente. Duas linhas pontilhadas representam ligações de hidrogênio intramoleculares ocorrendo dentro das unidades de ácido maleico parcialmente ionizadas. No caso do solvente isopropanol, seis sítios de ocupação 50% foram refinados para os três átomos de hidrogênio de cada grupo metila.
[00104] A unidade assimétrica cristalográfica da dupla hélice de lamivudina está exibida na figura 5, preparada com o programa MERCURY (BRUNO et al., New software for searching the Cambridge Structural Database and visualizing crystal structures. Acta Crystallogr. Sect. B, vol. 58, p. 389-397, 2002). Os rótulos dos átomos de oxigênio das moléculas de água e dos ânions cloreto são mostrados, e estes átomos e ânions são representados pelos respectivos elipsoides térmicos a uma probabilidade de 30%. As linhas pontilhadas representam ligações de hidrogênio.
[00105] Uma volta completa da dupla hélice de lamivudina é originada a partir da aplicação da operação de simetria pertinente ao grupo espacial no qual esta estrutura supramolecular de lamivudina cristaliza, uma roto-translação de ordem 21, à unidade assimétrica anteriormente detalhada. Desta forma, cada volta da hélice apresenta oito pares de lamivudina, medindo aproximadamente 26 Â, com uma separação de aproximadamente 3,25 Â entre os planos médios atravessando os pares de bases adjacentes. É importante destacar se trata de uma dupla hélice orientada à esquerda.
[00106] A dupla hélice de lamivudina é mostrada na figura 6, preparada com o programa PyMOL (DeLANO, The PyMOL Molecular Graphics System, DeLano Scientific, San Carlos, CA, USA, 2002. http://www.pymol.org). Nesta figura, somente as moléculas de lamivudina são exibidas, e todos os átomos de hidrogênio foram omitidos visando uma maior clareza da representação estrutural.