CAMPO DA INVENÇÃO
[0001] O processo da presente invenção tem aplicação na geração de combustíveis, mais especificamente na produção de gasolina de alta octanagem e diesel, combustíveis estes especificados como combustíveis verdes de origem lignocelulósica, por meio de craqueamento catalítico fluido (FCC).
FUNDAMENTOS DA INVENÇÃO
[0002] O uso de biomassa em substituição a hidrocarbonetos fósseis na produção de combustíveis vem crescendo rapidamente nos últimos anos, impulsionado pela demanda da sociedade por produtos ambientalmente amigáveis.
[0003] Um substituto natural para os hidrocarbonetos fósseis do petróleo é a biomassa, fonte de carbono renovável. Em geral, denomina-se biomassa qualquer matéria de origem vegetal que dispõe de bioenergia e que pode ser processada para fornecer formas bioenergéticas mais elaboradas e adequadas para o uso final. No contexto de bioenergia, a produção de biocombustíveis líquidos a partir de biomassa tem sido considerada para atender particularmente às necessidades de transporte veicular.
[0004] A tendência de estudos nessa área é desenvolver processos biotecnológicos que permitam a utilização de biomassas residuais de composição lignocelulósica e resíduos da indústria de celulose, abundantemente gerados nos setores agrícolas e florestais, para a produção de biocombustíveis.
[0005] Os materiais lignocelulósicos são formados por estruturas duras e fibrosas, compostas majoritariamente pelos polissacarídeos celulose e hemicelulose, entremeados por outra macromolécula formada por álcoois aromáticos, a lignina, aos quais se encontram unidos por ligações covalentes e de hidrogênio. Em menores proporções, e dependendo da origem do vegetal, também podem ser encontrados resinas, ácidos graxos, fenóis, taninos, compostos nitrogenados e sais minerais, principalmente de cálcio, potássio e magnésio.
[0006] A celulose (23 a 50 % da matéria seca da biomassa lignocelulósica) é um polímero linear que contém até 15.000 unidades de β- D-glicoses unidas por ligações glicosídicas β-1,4 carbono-carbono e por ligações de hidrogênio intramoleculares e intermoleculares.
[0007] A celulose, para sua transformação em insumos químicos, se converte em glicose por um processo de hidrólise. Esta glicose pode ser fermentada para obter etanol ou ainda butanol, isopropanol, 2,3-butadienol, glicerol, acetona, ácido acético e ácido butírico.
[0008] A hidrólise da glicose com ácidos diluídos leva ainda ao hidroximetilfurfural, que pode ser clivado em ácido levulínico e ácido fórmico, sendo o ácido levulínico um interessante insumo para poliésteres.
[0009] Por sua vez, a fração hemicelulósica (15 a 45 % do material lignocelulósico seco) consiste em cadeias ramificadas de açúcares, cujas unidades incluem principalmente aldopentoses, como xilose e arabinose, e aldohexoses, como glicose, manose e galactose. Esta macromolécula contém ainda ácidos hexurônicos, como os ácidos β-D-glucuronico, D-4-O- metilglucurônico e [3-D-galacturânico.
[00010] As hemiceluloses podem ser convertidas em açúcares, que podem ser fermentados para obter álcoois, por um processo de hidrólise em condições suaves. As hemiceluloses também podem ser processadas para obter furfural como produto principal e para gerar resinas.
[00011] Já a estrutura bioquímica da fração lignina (10 a 30 % da matéria seca da biomassa lignocelulósica) apresenta forma tridimensional e é formada por unidades de /?-propifenol, com substituintes metoxila no anel aromático, unidas por ligações do tipo éter e que estabelecem ligações cruzadas entre si.
[00012] As ligninas podem ser transformadas em óleos com características semelhantes às do petróleo por um processo de hidrogenólise.
[00013] As ligninas podem ainda ser utilizadas vantajosamente na produção de resinas de fenol-formaldeído ou fornecer gás de síntese por gaseificação com o oxigênio.
[00014] Assim, a problemática apresentada revela a necessidade de buscar novos processos para o processamento de biomassa para geração de combustíveis ambientalmente amigáveis, em especial devido aos problemas relacionados ao meio-ambiente, particularmente ao que se refere às emissões de gases poluentes.
[00015] Nesse cenário, o documento BR102012013787-9 revela um processo para obtenção de gasolina de alta octanagem a partir de biomassa vegetal líquida por meio do coprocessamento de correntes renováveis em craqueamento catalítico fluido (FCC), introduzindo separadamente a biomassa líquida (bio-óleo) e uma carga fóssil em duas zonas de reação distintas. A região aconselhada para injeção de biomassa líquida localiza-se abaixo da injeção de carga principal dos hidrocarbonetos fósseis. Apesar de haver uma melhoria substancial no perfil de rendimentos do coprocessamento de bio-óleo, o referido documento não mitiga a deficiência em hidrogênio desta carga renovável, a qual contém apenas de 6 a 8 % em peso de hidrogênio, valor muito inferior ao encontrado para a carga fóssil tradicionalmente utilizada em FCC (maior que 12 % em peso).
[00016] Portanto, é um objetivo da presente invenção propor um processo de obtenção de biocombustíveis, em particular gasolina de alta octanagem e biodiesel, através do coprocessamento de uma carga compreendendo biomassa vegetal líquida de origem lignocelulósica, uma corrente gasosa de hidrocarbonetos saturados leves, ricos em hidrogênio, e uma carga principal fóssil, em que a corrente gasosa contendo hidrocarbonetos saturados tem a finalidade de mitigar a deficiência em hidrogênio da carga renovável, melhorando, assim, o perfil de rendimento do coprocessamento de biomassa lignocelulósica líquida em relação à carga principal fóssil, sem que sejam necessárias alterações custosas na aparelhagem do FCC.
[00017] Como será melhor detalhada abaixo, a presente invenção visa a solução dos problemas do estado da técnica acima descritos de forma prática e eficiente.
SUMÁRIO DA INVENÇÃO
[00018] A presente invenção provê um processo de obtenção de combustíveis lignocelulósicos, mais especificamente produção de gasolina de alta octanagem e diesel.
[00019] O processo envolve o coprocessamento de uma carga compreendendo biomassa vegetal líquida de origem lignocelulósica, uma corrente gasosa de hidrocarbonetos saturados leves e uma carga principal fóssil, no processo de FCC.
[00020] A corrente de hidrocarbonetos gerada por meio do processo da presente invenção possui alta octanagem. Além disso, há uma melhora no perfil de rendimentos através da transferência de hidrogênio da carga gasosa contendo hidrocarbonetos saturados leves para a carga renovável, deficiente em hidrogênio.
[00021] A invenção se beneficia ainda da redução da taxa de formação de coque sobre o catalisador, causada pela diminuição na concentração de precursores através de sua diluição com gás.
BREVE DESCRIÇÃO DAS FIGURAS
[00022] A descrição detalhada apresentada adiante faz referência à Figura 1 anexa, a qual ilustra de modo simplificado o processo de obtenção dos combustíveis lignocelulósicos em reator de FCC do tipo riserde acordo com a presente invenção.
DESCRIÇÃO DETALHADA DA INVENÇÃO
[00023] A presente invenção é caracterizada por um processo para a produção de combustíveis, em especial gasolina de alta octanagem, com RON (^‘Research Octane Number”}acima de 90 e / ou MON (“Motor Octane Number”}acima de 75.
[00024] No processo de obtenção de combustíveis lignocelulósicos da presente invenção, uma corrente gasosa de hidrocarbonetos leves ricos em hidrogênio (1) é adicionada à base de um reator riserde craqueamento catalítico (4) que recebe ainda uma corrente líquida lignocelulósica (2) e catalisador regenerado (3), sob elevada temperatura, constituindo-se uma primeira seção reacional (4). O meio reacional assim gerado (5) entra em contato com a carga principal fóssil do FCC (6) gerando uma segunda seção reacional (7). Os produtos reacionais (8) são então retirados do reator e o catalisador (11) é enviado a uma seção de retificação (10) com vapor (9) ou outro gás inerte para remoção de hidrocarbonetos ainda presentes entre as partículas de catalisador. O catalisador recoberto com o coque gerado nas seções reacionais (4) e (7), também chamado catalisador gasto (15), é enviado à seção de regeneração (12) para combustão do coque com ar (13), gerando produtos de combustão (14).
[00025] Mais especificamente, no processo da presente invenção, o catalisador (3) é introduzido na base da seção de craqueamento (4), na qual o dito catalisador (3), em elevada temperatura, entra em contato com uma corrente gasosa de hidrocarbonetos leves rica em hidrogênio (1) em temperatura de entre aproximadamente 500°C até 800°C e pressão entre a atmosférica até cerca de 400 kPa, em que as correntes de catalisador (3) e hidrocarbonetos (1) entram em seguida em contato com uma corrente líquida lignocelulósica (2) na mesma seção de craqueamento (4), originando a mistura reacional (5) que, logo após, entra em contato com a corrente principal contendo a carga fóssil tradicional de FCC (6) em uma segunda seção de craqueamento (7).
[00026] Na primeira seção reacional (4) ocorre a despolimerização da lignina por ação do catalisador zeolítico (3), sob alta temperatura, preferencialmente na faixa de 500 °C a 700 °C e pressões baixas, preferencialmente na faixa de 200 kPa a 400 kPa, relação de catalisador / biomassa na faixa de 10 a 40 e em tempos de contato na faixa entre 0,1 e 0,9 segundos. Nesta seção reacional (4) é onde ocorre a adição do composto rico em hidrogênio. A função da corrente gasosa contendo hidrocarbonetos saturados ricos em hidrogênio (1) adicionada ao liftde catalisador do reator de riserde FCC é mitigar a deficiência em hidrogênio da corrente líquida lignocelulósica (2), desejável para otimização dos rendimentos de correntes líquidas (8), através da adição de hidrogênio à mesma.
[00027] Na segunda seção reacional (7) ocorre o craqueamento catalítico dos hidrocarbonetos em velocidade espacial na faixa entre 200 h'1 e 400 h'1, tempo de contato na faixa entre 1,5 e 3,0 segundos, temperatura na faixa entre 500 °C e 620°C e razão catalisador / hidrocarbonetos na faixa entre 5 e 20. Nesta seção também ocorrem reações de doação / transferência de hidrogênio da carga fóssil para a renovável. Esta combinação leva à produção de gasolina de alta octanagem com RON acima de 90 e MON acima de 75.
[00028] Exemplos de correntes líquidas lignocelulósicas (2) que podem ser utilizadas no processo são aquelas provenientes de resíduos da agricultura e da indústria de papel e celulose, em especial os materiais obtidos pela rota Kraft, além de materiais lignocelulósicos obtidos por processamento em unidades de pirólise rápida, mais especificamente bio-óleo, material este rico em açúcares e lignina.
[00029] No processo, a corrente líquida lignocelulósica (2) corresponde a 0,1 a 10 % em peso, preferencialmente 2 % em peso, em relação à quantidade de carga total adicionada ao FCC.
[00030] Já a corrente de hidrocarbonetos fósseis empregada como carga (6) pode ser selecionada dentre as correntes do refino do petróleo. Entretanto, tais correntes devem ser preferencialmente ricas em hidrogênio, sendo o teor de hidrogênio, no mínimo, 10 % em peso do composto.
[00031] Como a corrente gasosa de hidrocarbonetos leves rica em hidrogênio (1) pode ser utilizado propano, butano, etano ou qualquer corrente oriunda de gás natural ou ainda de correntes de hidrocarbonetos internas geradas dentro da refinaria de petróleo como as ricas em pentanos e hexanos presentes em naftas leves. Essa corrente de hidrocarbonetos leves (1) corresponde a 0,1 a 10 % em peso, preferencialmente 5 % em peso, com relação à quantidade de carga total adicionada ao FCC.
[00032] Os catalisadores (3) que podem ser utilizados no processo de craqueamento catalítico da presente invenção são aqueles catalisadores típicos das reações de craqueamento catalítico, ou seja, catalisadores sólidos com características ácidas. Dentre os catalisadores mais utilizados, podemos citar os que têm como componente principal a zeólita, um aluminossilicato cristalino, também denominados catalisadores zeolíticos.
[00033] Cargas constituídas por biomassa vegetal, tais como as definidas na presente invenção, quando submetidas ao FCC, empregando catalisadores ácidos sólidos, tais como zeólitas contendo faujasitas, levam à despolimerização da lignina presente em tal carga, gerando uma corrente de produtos, rica em aromáticos e compostos fenólicos na faixa da nafta (8).
[00034] Idealmente, a corrente de produtos (8), rica em aromáticos e compostos fenólicos deverá posteriormente ser submetida a uma etapa de hidrotratamento, onde ocorre o ajuste e adequação de suas propriedades pela remoção de compostos oxigenados, levando à produção de um combustível de alta octanagem com alto teor de compostos monoaromáticos substituídos.
[00035] Na etapa de hidrotratamento da corrente rica em aromáticos (8), é empregada uma temperatura entre 350 °C e 390 °C, utilizando óxidos metálicos, totalmente ou parcialmente convertidos a sulfetos (fase ativa) e suportados em y-alumina (y-ALOj) como catalisador.
[00036] Portanto, após as etapas de craqueamento e hidrotratamento, é produzido um combustível de alta octanagem, devido à presença de compostos aromáticos com ponto de ebulição entre 90 °C e 220 °C.
[00037] A seguir são apresentados nos exemplos alguns resultados obtidos em testes efetuados em uma unidade de FCC.
EXEMPLO 1
[00038] Propano, composto doador de hidrogênio, foi injetado em um reator catalítico com vazão de 0,5 L/min com intuito de gerar uma referência para fins de comparação. A temperatura de reação foi mantida em 540°C. Os resultados ilustrados na tabela 1 (Teste A) são típicos do processamento de propano em temperaturas de reação moderadas, em tomo de 540°C.
[00039] Nestas condições, não houve conversão do propano a outros compostos.
EXEMPLO 2
[00040] Acetona (propanona), composto aceptor de hidrogênio representando a carga renovável de base lignocelulósica, foi injetada na base de um reator catalítico em uma vazão de 200 g/h com intuito de gerar uma segunda referência para fins de comparação. A temperatura de reação foi mantida em 540°C. Os resultados são ilustrados na tabela 1 (Teste B). Foram geradas grandes quantidades de água, monóxido e dióxido de carbono. O rendimento de coque é relativamente elevado.
EXEMPLO 3
[00041] Propano foi introduzido em um reator catalítico com vazão de 0,5 L/min, junto a uma injeção de acetona, em uma vazão de 200 g/h como indicado pela presente invenção. A temperatura de reação foi mantida em 540°C. Os resultados são ilustrados na tabela 1 (Teste C).Tabela 1 - Condições gerais e resultados dos testes realizados em uma unidade de FCC
[00042] Em comparação ao exemplo 2, no exemplo 3 são obtidos rendimentos bem menores de coque e maiores de hidrocarbonetos gasosos, indicando a eficácia da invenção.
EXEMPLO 4
[00043] Uma corrente de bio-óleo, receptora de hidrogênio, foi injetada em um reator catalítico com vazão de apenas 60 kg/h devido às dificuldades provocadas pelo processamento de bio-óleo puro em unidades de craqueamento catalítico. As características da corrente de bio-óleo (renovável) podem ser encontradas na tabela 2. Como catalisador, foi utilizado no teste um catalisador de equilíbrio comercial de FCC contendo ZSM-5.
[00044] Os resultados ilustrados na tabela 3 foram obtidos a partir do processamento desta corrente. Há grande produção de água e as quantidades de monóxido e dióxido de carbono são elevadas. O rendimento de coque está em tomo de 11,4 % p. para estas condições operacionais. O produto líquido final é de apenas 17,6 % p.Tabela 2
Tabela 3
EXEMPLO 5
[00045] Uma corrente de hidrocarbonetos rica em hidrocarbonetos com 6 átomos de carbono, doadora de hidrogênio, foi injetada em um reator catalítico com vazão de 100 kg/h. A temperatura de reação foi mantida em 500°C. As características da corrente de hidrocarbonetos podem ser encontradas na tabela 4. Como catalisador, foi utilizado no teste um catalisador de equilíbrio comercial de FCC contendo ZSM-5.Tabela 4
[00046] Os resultados ilustrados na tabela 5 (Teste A) foram obtidos a partir do processamento desta corrente. Não há produção de água e as quantidades de monóxido e dióxido de carbono são desprezíveis. O rendimento de coque está em tomo de 0 % p. para estas condições operacionais. O produto final é composto principalmente por hidrocarbonetos da faixa da gasolina (92 % p.).
EXEMPLO 6
[00047] A corrente de hidrocarbonetos rica em n-hexano foi injetada junto ao bio-óleo em três proporções em um reator de craqueamento catalítico: 10 %p., 20 %p. e 30 %p, Testes B, C e D da tabela 4, respectivamente.
[00048] Há produção de água, monóxido e dióxido de carbono devido às reações de desoxigenação promovidas no reator riser e à doação de hidrogênio da corrente doadora para a corrente receptora. O rendimento de coque aumenta à medida que a proporção de bio-óleo na carga é elevada. Além disso, há uma diminuição dos rendimentos de gasolina, acompanhado do aumento dos rendimentos de LCO e óleo decantado.Tabela 5
[00049] A tabela 6 traz os rendimentos teóricos obtidos por extrapolação linear dos rendimentos reais da tabela 4, caso fosse processado 100% de bio-óleo. Não há diminuição dos rendimentos de coque, que permanece em tomo de 21 % p. em todos os casos. Por outro lado, o rendimento de gasolina é de 78,7 % p. quando calculado a partir de 10% de bio-óleo, porém diminui drasticamente para apenas 28,4 % p. quando o cálculo é realizado a partir de 30 % p. de bio-óleo. Ou seja, há uma grande queda no rendimento de gasolina à medida que diminui a proporção da corrente doadora de hidrogênio. A quantidade de produtos líquidos totais diminui de 79,7 % p. para apenas 35,3 % p. para o cálculo realizado a partir de 30 % p. Tal diferença é causada pela transferência de hidrogênio da corrente doadora de hidrocarbonetos C6 para a corrente aceptora pobre em hidrogênio, o bio-óleo, indicando a importância da corrente doadora e a eficácia da invenção.Tabela 6