PROCESSO DE OBTENÇÃO DE MUNIÇÃOLUMINESCENTE E PROCESSO DE DETECÇÃO DERESÍDUOS DE TIRO
Campo da Invenção
A presente invenção refere-se ao desenvolvimento de processos deobtenção de munição Iuminescente para detecção de resíduos de tiro. Emparticular, esta invenção viabiliza de forma simples e versátil os processos dedetecção de resíduos de tiros, baseada nas propriedades Iuminescentesinerentes aos marcadores adicionados à massa iniciadora ou à massa deprojeção.
Antecedentes da Invenção
A evolução da sociedade tem evidenciado uma série de problemas que,na maioria dos casos, necessitam de soluções específicas.Conseqüentemente, a exploração de novas tecnologias que atendam essasnecessidades constitui um dos setores estratégicos mais importantes daatualidade. Esta crescente demanda tem fomentado o desenvolvimento denovos materiais com elevada funcionalidade e especificidade e de novasmetodologias analíticas que fornecem resultados rápidos, confiáveis e precisos.
Com os aumentos da violência e do crime organizado nos centrosurbanos surgem novos desafios à segurança pública. Um destes desafios estárelacionado à necessidade de rapidez e confiabilidade na elucidação doscasos. Como conseqüência, é imprescindível uma constante evolução dosprotocolos empregados nas perícias técnicas, de forma que seja possíveldinamizar as análises (diminuir o tempo necessário), reduzir custos e obterresultados cada vez mais precisos (permitir análises confiáveis em condiçõesmenos favoráveis: uso de pequenas, quantidades de amostra, etc)
No momento do disparo de uma arma de fogo são expelidos junto com oprojétil, produtos gasosos e sólidos proveniente da reação química da massainiciadora e da pólvora, normalmente monóxido de carbono, óxidos denitrogênio e vapor de água e resíduos sólidos derivados basicamente de:chumbo, antimônio, bário e outros metais que compõem a liga do projétil.Partes desses resíduos sólidos permanecem dentro do estojo e ao redor dele,dentro do cano, na câmara de percussão, ao redor do tambor. (I CongressoInternacional de Criminalística ,2005) .0 restante é expelido da arma, atingindoas roupas, mãos, cabelos e rosto do atirador e se espalham pela cena docrime. (Quim. Nova, 2004, 27, 409-413) Particularmente em situações decrimes envolvendo armas de fogo é essencial correlacionar arma, atirador evítima. Logo, com a detecção e identificação dos resíduos sólidos do disparo,este vínculo pode ser mais facilmente estabelecido.
Entre as diversas metodologias utilizadas na análise de resíduos dedisparos de armas de fogo, podem ser destacadas as técnicas baseadas emreativos químicos para a identificação de traços de espécies produzidas apósrealização do tiro. Em 1959 foi desenvolvido um teste para identificação dechumbo, bário, baseados no uso do reagente rodizonato de sódio. Outroexemplo de teste utiliza o reativo de Griess, ácido parasulfanílico, paradeterminação presença de nitritos. Esta reação também é colorimétrica,baseada na reação de diazotação dos nitritos com o ácido parasulfanílico e oacoplamento com α-naftol ou naftoresorcinol em meio ácido (pH 2,0-2,5).(Forensic Sei. Int. 1980, 25, 810-814). Apesar de estes testes serem práticos ede fácil execução, apresentam problemas relacionados à sensibilidade(pequena quantidade de resíduo que é possível coletar), instabilidade químicadas espécies envolvidas (no caso do nitrito), bem como a impossibilidade dedeterminar a origem do chumbo e bário (se ocupacional ou ambiental)(Forensic Sei. Int. 1999, 103, 1-21). Todos esses fatores podem induzir a umfalso resultado negativo, não significando, no entanto, que o disparo não tenhasido efetuado.
Em 1962 foi sugerido o uso da Análise por Ativação por Nêutrons(Nêutron Activation Analysis—NAA) para identificação de antimônio e bário emresíduos de disparo de fogo. A técnica NAA é um método de análise nãodestrutivo que permite, em alguns casos, determinar as concentrações naordem de partes por bilhão (ppb) de 20 a 40 elementos numa única amostra.Apesar da NAA ser uma técnica bastante sensível, não detecta chumbo, alémde necessitar de pessoal com treinamento específico e instrumentaçãoadequada para realizar a análise como: fonte de nêutrons (reator nuclear) einstrumentação para medir a radioatividade gama (Detectar de Ge ultra puro ouGe-Li). (J. Forensic Sei. 1974, 19, 789-797)
No início da década de 70 a Espectrofotometria de Absorção Atômica(EAA) foi introduzida nas análises de resíduos de disparo de arma de fogo.Esta técnica foi empregada para medir a concentração de chumbo, além dasde bário e antimônio. A deficiência deste tipo de análise está relacionada à nãoespecificação da origem das espécies identificadas, ou seja, se o chumbo,bário e antimônio encontrados são de origem ocupacional, ambiental ouoriunda da deflagração de uma arma de fogo. (J. Forensic Sei. 1979, 24, 423-430). Além do mais, a presença de compostos orgânicos nas amostras podecausar dispersão de luz no feixe de radiação dificultando a medida. (Quim.Nova, 2004, 27, 409-413).
Em meados da década de 70 foi proposto o uso da espectroscopia deluminescência na identificação de resíduos de disparo de arma de fogo. (J.Forensic Sei. 1975, 20, 231-242). Os resíduos eram colocados sob nitrogêniolíquido e submetidos à excitação por uma lâmpada de xenônio para detectar asemissões do chumbo e antimônio em 385 e 660 nm respectivamente.
A técnica de Microscopia Eletrônica de Varredura acoplada aEspectrometria de Energia Dispersiva de Raios-X (SEM-EDX) foi proposta paraanálises de resíduos de tiro, pois é capaz de avaliar as característicasmorfológicas e a composição das partículas. A American Soeiety for Testingand Materials (ASTM) normatizou essa técnica que consequentemente foiadotada pelas principais polícias no mundo, como a Agência Federal deInvestigação Americana (FBI), a Polícia Federal Alemã (BKA), a Polícia FederalBrasileira (PF), entre outras. Durante a formação, as partículas sofrem, em altapressão, elevado aquecimento (« 2000 0C), com posterior resfriamento brusco,tornando-se esféricas para minimizar a sua área superficial. (J. Forensie Sei.1997, 42, 553-570). Assim a presença de partículas esferóides contendo ostrês metais: chumbo-antimônio-bário (Pb-Sb-Ba) e antimônio-bário (Sb-Ba)caracterizam resíduos de disparo de arma de fogo. Partículas com outrascomposições, mas incluindo esses elementos, não podem ser consideradasconclusivas. (ASTM E 1588-95 (reaprovada em 2001), Gunshot Wounds:Practical aspects offirearms, ballistics and forensic techniques, 2a Edition1 CRCpress LLC. 1999).
Com o advento de uma nova geração de munições livres de chumbo,denominadas comercialmente por munições limpas ou ambientais (CleanRange® quando produzidas pela CBC), os exames acima especificadosperdem o valor como prova material, haja vista que os resíduos provenientesde tais munições não apresentam nem a morfologia, nem os elementosquímicos individualizadores que caracterizavam as gerações anteriores,ficando prejudicados tanto os exames por testes químicos e por NAA, EAA eMEV/EDS. Recentes trabalhos da literatura mostram que é extremamente difícil(ou mesmo impossível) caracterizar os resíduos de tiros produzidos pormunições limpas, já que não apresentam partículas com morfologia bemdefinida e os elementos químicos presentes se confundem com os de origemocupacional e ambiental. (Perícia Federal, 2005, 22, 18-19), (Forensic Sei. Int.2008, 117, e9-e17)
De maneira geral, todas as técnicas descritas anteriormente apresentamrestrições como: falso resultado negativo, destruição da prova pericial (emalguns exames), efeito de interferentes (testes químicos), tempo de medidaincompatível com análise de rotina, exigência de instalações laboratoriaisespecíficas (NAAA, SEM-EDX e EAA), entre outras. No caso em que sãoutilizadas as munições ambientais o problema se agrava, pois a ausência doselementos que caracterizem os resíduos de tiros, não permite a determinaçãoda autoria, prejudicando as investigações criminais e punição do(s) autor(es).
Portanto, o estabelecimento de novos processos de análise de resíduos de tirocontinua sendo matéria importante em ciência forense.
Neste contexto, a presente invenção foi desenvolvida visandoestabelecer um novo procedimento para a análise de GSR. É importanteenfatizar que não foram encontrados relatos na literatura pesquisadaantecipando ou sugerindo o uso de sondas luminescentes, logo, a solução aquiproposta possui caráter inovador e original frente as atuais técnicas deanálises.Solução Proposta
A proposta apresentada nesta invenção está fundamentada na busca desoluções viáveis visando atender a demanda tecnológica de importante setorda sociedade (segurança pública). Nesse contexto, a presente invenção foidesenvolvida com o objetivo de estabelecer um novo procedimento para aanálise de resíduo de tiro, baseada na inserção de marcadores Iuminescentesà massa iniciadora e/ou carga de projeção (pólvora) de munições para armasde fogo. Em linhas gerais, podemos destacar que esta invenção possibilitará aimplementação e consolidação de uma tecnologia versátil que supera aslimitações apresentadas nas técnicas analíticas descritas anteriormente.
Com a adição dos marcadores à munição, o processo de detecção dosresíduos passa a ser efetuado inicialmente por espectroscopia deluminescência. No entanto, com apenas uma lâmpada de UV é possívelobservar a olho nu emissão de luz por parte do marcador, logicamentedependo do percentual do marcador incorporada à carga da munição (massainiciadora e/ou carga de projeção), bem como do rendimento quântico inerenteà sonda Iuminescente utilizada. Neste ponto, é importante salientar algumasdas vantagens exibidas pela metodologia proposta nesta invenção, quandocomparada a todas as técnicas atualmente utilizadas na identificação edetecção de resíduos de disparo de arma de fogo:
• Tecnologia de baixo custo e limpa (livre de metais poluentes enocivos à saúde humana);
• Curto tempo de resposta que permite a identificação e detecçãodos resíduos de tiro na cena do crime;
· O sinal resposta estável, pois não sofre interferências elétricas oumagnéticas;
• Elevada estabilidade química e térmica dos marcadores quepropicia detectar resíduos de disparo após longo período detempo;
· Elimina qualquer dúvida associada à origem das partículas;
• Propicia de resultados cofiáveis;
• Detecta e identifica resíduos de disparo oriundo de muniçõeslimpas ou ambientais livres de bário e chumbo;• Reduz o uso de equipamentos sofisticados, instalaçõeslaboratoriais e de mão de obra especializada;
Os marcadores propostos nesta invenção constituem uma ampla gamade materiais baseados em metais de transição e principalmente noslantanídeos, que por sua vez, apresentam propriedades Iuminescentes(downconversion e upconversion). Os marcadores propostos na presenteinvenção englobam as seguintes classes de compostos:
• MOFs (Metal Organic-Frameworks) ou Polímeros decoordenação ou Redes Híbridas de Coordenação;
Complexos de coordenação;
• Cerâmicas e materiais vitrocerâmicos;
• Óxidos dopados;
• Vidros dopados;
• Zeólitas;
Os marcadores propostos nesta invenção apresentam emissão única ousimultânea nas regiões do ultravioleta, visível e infravermelho, não são tóxicosnem alteraram as características da munição. São suficientemente estáveispara suportar condições extremas de temperatura e pressão. Além deapresentarem composições químicas adequadas, que indubitavelmente osdiferenciam dos componentes de origem ambiental e ocupacional. Sendoassim, após o disparo de uma arma com munição devidamente marcada, osrespectivos resíduos do tiro(s) são detectados facilmente através da excitaçãopor radiação ultravioleta, visível ou infravermelha.
Dentre os marcadores propostos nesta invenção destacamos as MOFs(Metal Organic-Frameworks), ou Polímeros de coordenação ou ainda RedesHíbridas de Coordenação. Estes materiais constituem uma extensiva classe decompostos cristalinos com considerável estabilidade (Nature 2003, 423, 705-714) e nos últimos anos vêem despertando interesse de setores industriaisestratégicos como: catálise, nanotecnologia, armazenamento e separação degases e líquidos. (J. Mater. Chem., 2006, 16, 626-636), (WO 2007/044473 A2),(WO 2007/111739 A2), (WO 02/088148 A1), (WO 2008/043445 A1), (WO2008/ 062034 A1), (WO 2007/007113 A3).A maioria dos relatos referentes ao uso de MOFs utiliza metais detransição em sua composição, sendo os compostos baseados em lantanídeosmenos abordados. Contudo, os lantanídeos além de serem mais abundantes emenos dispendiosos que alguns metais de transição comumente usados comomarcadores, possuem características intrínsecas que os tornam interessantespara o desenvolvimento de novos materiais.
Os lantanídeos são famosos por possuírem propriedadesespectroscópicas peculiares, como: tempo de vida longo, bandas de emissãofinas e bem definidas. Essas características são oriundas da blindagemdesempenhada pelos elétrons que ocupam os orbitais mais externos (5s e 5p)aos que estão localizados no 4f, que originam linhas espectrais bastanteestreitas, típicas das transições f - f em decorrência do fraco acoplamento doselétrons com o retículo cristalino. Logo, as propriedades atômicas desses íonspermanecem invariáveis, mesmo depois da formação de complexos comdiferentes ligantes. Devido às referidas propriedades espectroscópicas,elevada fotoestabilidade, baixo custo e praticidade de síntese fazem das MOFscontendo lantanídeos uma alternativa atrativa para serem utilizadas comomarcadores luminescentes.
Descrição Detalhada do Processo
O exemplo aqui apresentado é apenas uma ilustração do processo dainvenção não devendo ser a invenção restrita às características específicasdeste exemplo. Como forma de ilustrar o funcionamento da invenção, algunsmateriais luminescentes foram testados. Neste sentido, os marcadores, emdiferentes quantidades, foram adicionados a amostras de massa iniciadorae/ou carga de projeção utilizadas em cartuchos do calibre 38. Em seguida,foram efetuados tiros com essas munições.
Os resíduos dos tiros foram expostos à luz ultravioleta para observaçãoda luminescência. Foram realizadas observações a olho nu do resíduo coletadoa partir da detonação direta da massa iniciadora (sobre substrato metálico), eda realização de tiros em condições normais (coletados sobre anteparoslocalizados sobre o alvo e na região do cone de dispersão dos gases da arma),Figuras a, b, c e d. Para tais observações utilizou-se como fonte de excitaçãolâmpada Ultravioleta (com irradiação em 254 nm). Também foram obtidos osespectros de emissão e excitação dos resíduos de detonação direta, àtemperatura ambiente, realizados em um espectrofluorômetro (modelo ISS PC1Spectrofluorometer).
Os marcadores utilizados para efeito de demonstração da presenteinvenção foram redes híbridas orgânicas e inorgânicas a base de Eu3+ e Tb3+,conhecidas como MOFs (do inglês Metal-Organic Framework ).
Tais marcadores foram selecionados a partir de critérios comoestabilidade química e térmica, estabilidade da luminescência, alto rendimentoquântico, disponibilidade comercial ou facilidade de preparação em escalaindustrial, entre outros. A estabilidade química e térmica dos compostos foiavaliada a partir de análises de espectroscopia vibracional no infravermelho,microscopia eletrônica de varredura e difração de Raios X dos compostosantes e depois da detonação, além de análise térmica diferencial. Nenhumamudança significativa no material foi observada, por nenhuma das técnicasutilizadas, em função da detonação.
Os marcadores foram incorporados à mistura iniciadora (espoleta) ou nacarga de projeção ("pólvora"). Em ambos os casos, foram observados apresença de partículas Iuminescentes nos resíduos, tanto para os testes dedetonação direta da espoleta, quanto para a realização de tiros. Foi observadaa luminescência na região do vermelho e verde, características dos íons Eu eTb+3 (ver Figuras a, b, c, d). Ambas as amostras, e especialmente a amostracontendo Tb+3, apresentaram alta intensidade da luminescência e não houvealteração no padrão de luminescência ou perda da intensidade em um períodosuperior a 14 meses, mesmo expondo a amostra a condições ambientes(umidade relativamente alta, contato com gases contidos na atmosfera,luminosidade, calor, etc.). Também se observou a presença de partículasIuminescentes em alguns pontos da arma usada para os testes, bem como nasmãos e roupas do atirador.
Os resultados descritos foram obtidos com o uso de muniçõesconvencionais (que apresentavam Sb, Ba e Pb na massa iniciadora) emunições ambientais (livres destes elementos químicos). Como citadoanteriormente, trabalhos da literatura (Forensic Sei. Int. 2008, 117, e9-e17)mostram que é extremamente difícil (ou mesmo impossível) caracterizar osresíduos de tiros produzidos por munições do último tipo, já que nãoapresentam partículas com morfologia e composição característica e por issoconfundem-se com partículas de origem ocupacional e ambiental. Este fatotorna ainda mais importante à incorporação de marcadores a este tipo demunição.